O trabalhador rural Vanderlei Matos da Silva era responsável pelo transporte da produção de abacaxis da fazenda Del Monte, na região de Limoeiro do Norte, no Ceará. Pela experiência com a rotina da fazenda, também era ele quem misturava os agrotóxicos aplicados na lavoura.
Em média, Vanderlei manuseava 11 tipos diferentes de venenos agrícolas. No dia 30 de novembro de 2008, aos 31 anos, ele morreu no hospital da Universidade Federal do Ceará (UFCE). O fígado do trabalhador, de acordo com o laudo médico, foi contaminado com substâncias tóxicas que levaram a uma hepatopatia grave.
“Ele passou por dois hospitais e fazendo os exames os médicos concluíram que tinha sido por causa dos agrotóxicos”, diz Gerlane Silva, viúva de Vanderlei.
No ano da morte de Vanderlei, em 2008, foram registradas 910 óbitos decorrentes do contato com pesticidas e agrotóxicos no Brasil. Nos dez anos seguintes, até 2017, a soma chegou a 7.267, sendo mais de 70% nas regiões Nordeste e Sudeste.
“Da época que ele descobriu a doença para ele falecer foi em torno de um mês mais ou menos”, lembra Gerlene.
Vanderlei trabalhou três anos e meio na plantação. Quando morreu, tinha um filho de um ano e três meses. “Ele trazia o abacaxi para casa, mas não queria que a gente comesse porque sabia muito bem o que eles colocavam”, lembra a viúva.
Apesar das evidências e dos laudos médicos, dez anos foram necessários para que Gerlene conseguisse provar em definitivo na Justiça que o marido morreu em decorrência do trabalho que executava. Depois de recorrer a todas as instâncias possíveis, a multinacional Del Monte, dona da fazenda onde Vanderlei trabalhava, foi finalmente condenada a pagar uma indenização.
Recorrência
Segundo os dados do DataSus, sistema de registro de casos de óbitos de pacientes que passaram pelo atendimento da rede pública de Saúde, os Estados com mais casos de morte por agrotóxicos, entre 2008 e 2017, foram: São Paulo (1.070 mortes), Minas Gerais (819 mortes), Pernambuco (701 mortes) e Bahia (614 mortes).
Nesse cenário, as regiões com maior recorrência de mortes são Guaxupé, Juiz de Fora e Betim, em Minas Gerais (plantações de café e milho); e Caruaru, Ouricuri e Arcoverde, em Pernambuco (predominância de tomate e feijão).
Em São Paulo, uma das regiões de maior ocorrência é Sorocaba, onde 43% da área cultivada é de laranjas.
Casos invisíveis
Além das doenças e mortes claramente identificadas com o uso de agrotóxicos, há os casos em que a relação não é tão imediata.
Há 19 anos, o pesquisador Paulo Paz, doutro em Saúde Coletiva pela Unicamp, analisa dados sobre os efeitos dos agrotóxicos na saúde mental. Ele alerta que os dados oficiais não contemplam a totalidade de casos de intoxicação por agrotóxicos, principalmente a partir de 2008, quando o Brasil se tornou o maior consumidor de veneno agrícola do mundo.
“Essas notificações que aparecem são as intoxicações agudas, que aparecem na hora e são tratadas na rede pública de saúde. No entanto, as doenças por exposição crônica, que são o câncer e o transtorno mental, estão crescendo”, diz o pesquisador.
Da mesma maneira, o efeito nocivo dos agrotóxicos pode ir além da contaminação direta no momento da aplicação ou do território onde fica a plantação, gerando um número de mortes e adoecimentos que não aparecem nas estatísticas, como explica Francisco Sousa, articulador diocesano da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Bom Jesus (PI).
"Quando começam as chuvas, o veneno que é usado nas chapadas onde estão as lavouras do monocultivo do milho, do feijão e da soja é carreado para dentro dos rios e isso afeta a água que o pessoal consome para beber, para lavar roupas e fazer as necessidades básicas de casa. A água fica alaranjada e quem tem contato com essa água apresenta sintomas de náuseas e marcas na pele", disse Sousa sobre a realidade das comunidades que vivem ao longo do rio Uruçuí-Preto, que percorre uma extensão de 300 km pelo interior do Piauí.
Em 2018, as fundações Rosa Luxemburgo e Heinrich Böll lançaram o Atlas do Agronegócio, que revela que o lucrativo mercado mundial de agrotóxicos está nas mãos de dez empresas, sendo que 25% deste mercado milionário pertence à Bayer, que comprou a Monsanto.
O herbicida glifosato, presente em várias marcas de produtos agrotóxicos, é a mais vendida no Brasil. Foram 173 mil toneladas só em 2017, segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Em 2015, a Organização Mundial de Saúde (OMS) apontou o glifosato com o provável causador de câncer.
Edição: João Paulo Soares