Coluna

Lula: 500 dias de uma prisão ilegal revelam um sistema doente

Imagem de perfil do Colunistaesd

Ouça o áudio:

“Boa tarde, presidente Lula!” na Vigília Lula Livre, em Curitiba, nos 500 dias de luta, resistência e de solidariedade ao ex-presidente Lula
“Boa tarde, presidente Lula!” na Vigília Lula Livre, em Curitiba, nos 500 dias de luta, resistência e de solidariedade ao ex-presidente Lula - Ricardo Stuckert/ Lula Livre
Poderosa bactéria foi injetada na veia da democracia; afeta boa parte dos órgãos

Nesta terça-feira (20), completaram-se 500 dias que o ex-presidente Lula foi levado da sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo (SP), para uma cela em Curitiba (PR). Desde então ele é o protagonista de inúmeros episódios que desnudam o sistema de justiça no Brasil e apontam para a ilegalidade de sua prisão. 

Continua após publicidade

Nesse rumo, destaca-se o esforço de diversos atores do sistema para retirar de Lula os direitos mais elementares, como o de conceder entrevistas - somente reconsiderado após meses de delonga -,  de participar do velório de seu irmão Vavá, do acesso de sua defesa técnica aos dados de colaborações premiadas e acordos de leniência.

Quanto mais tempo dura a prisão de Lula mais se aprofundam as arbitrariedades. Na mesma proporção, avoluma-se a percepção, nacional e internacional, de que seu processo foi e segue sendo político, não jurídico. 

Um grupo de juristas, professores e ex-ministros estrangeiros de renome mundial enviou uma carta ao Supremo Tribunal Federal, divulgada no domingo (11), na coluna de Mônica Bergamo, no jornal Folha de S. Paulo, pedindo a libertação do ex-presidente Lula, diante do que consideram ser uma violação ao devido processo legal brasileiro.

Por seu turno, há mais de dois meses, revelações do portal The Intercept Brasil  e seus parceiros informam, a cada dia, a grande farsa que foi montada para acusar, julgar, condenar e prender Lula, com vistas a retirá-lo do processo eleitoral.

Mais recentemente a juíza da 12ª Vara de Execução, Carolina Lebbos, determinou a remoção do ex-presidente a um presídio comum em São Paulo, ordem que só não foi cumprida porque ter sido suspensa pelo Supremo Tribunal Federal.

Naquele mesmo final de semana da decisão da juíza Lebbos, a revista Veja trouxe manifestação do ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, de que o adiamento do julgamento das ações de controle de constitucionalidade sobre a prisão em segunda instância ocorreu em decorrência da pressão recebida, apenas para evitar que o ex-presidente Lula fosse solto. 

A divulgação abriu mais uma ferida na dinâmica da nossa frágil democracia. Escancara que a liberdade de Lula virou moeda de troca na arena das disputas para garantia de uma suposta institucionalidade. Por seu turno, a chantagem adotada, com eficácia, por militares, evidencia um sistema doente.

Enquanto isso, doenças que se imaginavam erradicadas, como o sarampo, voltam a amedrontar a sociedade. 

Em metáfora aberta com os males do corpo, práticas antidemocráticas que se supunham soterradas, como a tutela militar, estão na ordem do dia. 

Nesse quadro, a prisão de Lula é um câncer do sistema de Justiça. Uma poderosa bactéria foi injetada na veia da democracia e deflagrou um processo que afetou significativa parte dos órgãos. Tratar doenças crônicas, com fortes dores agudas, requer equipe capaz, tratamento moderno e remédio eficiente. 

Os sintomas da moléstia são muitos.

Enquanto o Supremo Tribunal Federal não julga o mérito das ações declaratórias de constitucionalidade e enfrenta o tema da presunção de inocência, Lula é uma dentre várias pessoas que cumprem pena antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, contra o dispositivo constitucional. Enquanto a 2ª Turma daquela corte não analisa a evidente parcialidade de Sérgio Moro, Lula sofre coações várias, como a tentativa de removê-lo, colocando sua vida em risco.

A doutrina e literatura chamam o habeas corpus (HC) de remédio constitucional. Vindo a calhar na metáfora, neste caso ele precisa, de fato, ser urgentemente administrado, e que a equipe “médica” compreenda o tamanho da sua responsabilidade. 

Quando julgarem – e precisa ser em tempo breve – o mérito do HC que aponta a suspeição do juiz Sérgio Moro, os juízes da 2ª Turma do STF possuem nas mãos o poder de apenas, tão somente, aplicar a lei. Agindo como sanitaristas responsáveis, podem estancar a patologia que se alastra.

A Lava Jato se ornou de agentes a quem ensinou serem dotados de liberdade de escolha para decidir os parâmetros de legalidade que pautaria suas atividades. Embalados por sua popularidade midiática, amparados no discurso maniqueísta dos bons contra os maus, eles ultrapassaram todos os limites da institucionalidade. Sem qualquer cerimônia, descumpriram e subverteram normas e procedimentos.

Há, ainda, uma triste consequência nesse paralelo. Assim como os sanitaristas ainda não sabem o que pode advir de epidemias de doenças antigas, tanto no risco de sua expansão, quanto de seus possíveis efeitos tetarogênicos nas próximas gerações, a política brasileira parece viver a mesma sina. 

O cenário é de incerteza e sujeição a ciclos renovados de perda de vitalidade democrática. Nos dois casos, temos o amanhã ameaçado pela negligência com o presente.

Haverá um antibiótico contra os arbítrios de membros da Lava Jato? Ou o Estado de Direito mais uma vez será engolido pela fome de poder dos “virtuosos” da nação?

Não sabemos o que vai acontecer, mas o que se espera é que a sociedade brasileira tenha maturidade democrática para saber defender sua Constituição e suas leis, garantidoras de direitos, dos ataques daqueles que pretendem se colocar acima delas.

Edição: Daniela Stefano