Na França, tomar banho não é um hábito tão comum, especialmente no inverno
Tem gente que, quando quer falar que uma coisa é muito boa, diz que é “de primeiro mundo”.
Não sou muito chegado a isso. Respondo que conheço um brasileiro que é “de primeiro mundo” também, e explico: não toma banho de jeito nenhum.
Vejam os europeus... Um amigo que foi estudar na Alemanha contou que na moradia estudantil pensavam que ele tinha uma doença de pele, porque tomava banho todos os dias. Os colegas passavam até semanas sem tomar banho.
Outro amigo foi passar um ano em Roma, e para morar numa pensão teve que assinar um contrato com a dona, como se fosse um aluguel de casa.
No contrato constava, entre seus direitos, o de tomar só um banho por semana. Ficou arrepiado e eu, depois de saber que naquela pensão morava um monte de gente do norte da Europa, aconselhei: pode ir tranquilo. Os outros também têm direito a um banho por semana e não usam, podem ceder pra você. E foi o que aconteceu, me contou depois.
Na França, prédios antigos, com quatro ou cinco andares, costumam ter apenas um banheiro, no térreo, porque tomar banho não é um hábito tão comum, especialmente no inverno.
Agora volto ao brasileiro de primeiro mundo, que não toma banho de jeito nenhum. Na verdade, nem deve estar vivo ainda, eu o conheci há muito tempo.
Morava na região do Cariri, no Ceará, e tinha o apelido de Cinzeiro. Costumava andar a pé de uma cidade a outra e, se havia fruteiras na beira das estradas, roubava frutas. Coisa à toa, que não fazia falta a ninguém.
Mas um dia resolveram sacanear o Cinzeiro. Deram um flagra nele roubando cana e o levaram para a delegacia. O delegado aderiu à brincadeira e disse que ele tinha cometido um crime muito grave.
O Cinzeiro se defendeu dizendo que apenas atendeu ao chamado das canas:
— Eu tava na estrada, elas ficavam gritando: “Me panha, me chupa”...
Como castigo, deram um banho no Cinzeiro. Dizem que foi o único da sua vida. Ficou resfriado e quase morreu.
E a partir dessa história passei a brincar com os amigos imitando o Cinzeiro. De vez em quando faço de conta que estou ouvindo alguma coisa que ninguém mais ouve, e falo: “É a voz de uma loira... Ela está gritando: me abre, me bebe”, e já sabem que estou propondo que a gente tome uma cerveja.
Edição: Michele Carvalho