Qual o significado do anúncio do acordo entre europeus e sul-americanos num cenário mundial tão instável e problemático e por que neste momento, em 2019, após quase 20 anos de discussão em torno dele? Para o economista Marcio Pochmann, presidente Fundação Perseu Abramo (FPA), esta é uma questão intrigante, já que o acordo Mercosul-União Europeia, foi anunciado durante a reunião do G20, em junho num ambiente contaminado por guerra comercial entre Estados Unidos e China, programa nuclear norte-coreano, tensão em torno do Irã e ameaça de recessão global.
De acordo com o ex-ministro das Relações Exteriores da Argentina Jorge Taiana, a urgência de se anunciar o acordo se deve a questões políticas, principalmente por parte do presidente argentino, Mauricio Macri. A condução da economia pelo governo Macri tem alcançado resultados desastrosos e o levou a uma derrota para o oposicionista Alberto Fernández nas prévias das eleições presidenciais. “Há um ano, Macri pressionava os negociadores argentinos e do Mercosul para se alcançar qualquer forma de acordo, para poder usá-lo no processo eleitoral argentino.”
Jorge Taiana participou, ao lado do ex-ministro Celso Amorim (das Relações Exteriores, com Lula, e da Defesa, com Dilma), de um debate sobre os impactos do acordo, promovido pela FPA nesta terça-feira (20).
O acordo Mercosul-UE, na visão de Celso Amorim, “ou está morto ou vai ficar na geladeira”. E o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, “se encarregou disso”. Com sua política externa voltada a interesses dos Estados Unidos e a uma agenda de relações bilaterais com Donald Trump, Bolsonaro disse no final de julho que “todo mundo está preocupado” com o que chamou de “armadilhas” no acordo. A declaração do brasileiro se deu após reunião com o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Wilbur L. Ross Jr., no Palácio do Planalto.
Na opinião do ex-chanceler brasileiro, Bolsonaro “herdou” a questão do acordo entre sul-americanos e europeus do governo Michel Temer. Do ponto de vista da UE, observou, a União Europeia precisava de boas notícias sobretudo pelos problemas com o Brexit e também “pelo apetite da indústria, principalmente alemã”. “A UE tem seus objetivos, a Alemanha é um dos maiores exportadores de manufaturas e o Mercosul é (um mercado) importante”, disse.
Amorim destacou que o acordo anunciado privilegiou uma visão neoliberal e vantagens aos produtos industriais europeus, enquanto que, aos produtos agrícolas brasileiros e argentinos, foi oferecido pouco. “Mas por que a (chanceler Angela) Merkel vai proteger trabalhadores brasileiros e não os alemães?”
Do ponto de vista da UE, Taiana também apontou os interesses políticos numa Europa em que hoje há muitos questionamentos por conta do difícil processo do Brexit, além do contexto de ascensão do nacionalismo em diferentes países e da postura agressiva do presidente norte-americano Donald Trump. O argentino concluiu dizendo que o acordo “na realidade (ainda) não é um acordo, (já que) nunca vimos ninguém assinar um só documento”.
Meio ambiente
A grave situação ambiental brasileira após a ascensão da extrema-direita no país é um tema em pauta na Europa. Segundo matéria da rede do Catar Al Jazeera, reproduzida pelo site Carta Maior, a situação da Amazônia e a provável volta do peronismo ao governo argentino poderiam atrasar “ou até descarrilhar a ratificação do acordo comercial Mercosul-União Europeia”. Como sempre indiferente à diplomacia, no sábado (17), Bolsonaro afirmou que pede a Deus para que a Argentina “não retroceda a liberdade”, em referência à vitória da chapa Alberto Fernández e Cristina Kirchner nas prévias eleitorais na semana passada.
“Há um crescente número de vozes, particularmente na França e na Alemanha, dizendo que, ao menos que essa política (para o meio ambiente mude), a UE não deveria ratificar esse acordo”, disse Oliver Stuenkel, especialista em relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, segundo a Al Jazeera.
“É uma tristeza que precisemos (da pressão) de um acordo de fora para fazermos o que precisa ser feito de qualquer maneira e o que estávamos fazendo (nos governos petistas). Vivemos profundo retrocesso”, disse Amorim.
Edição: RBA