Ataque às instituições com atuação independente indica decadência da democracia
Os pesos e contrapesos do Estado de Direito parecem não dar conta de conter o movimento que começou lá atrás, por ocasião do golpe parlamentar que rompeu o tecido democrático e derrubou a presidenta Dilma Rousseff. Desde então, o cenário político e social vem se deteriorando, impactado pelos jogos midiáticos da contrainformação disseminadas pelas milícias virtuais. Tudo parece estar dentro de um padrão mínimo de legalidade, mas a corrosão destrói os alicerces construídos ao longo de décadas. A situação é mais grave do que parece.
As investidas de Bolsonaro no BNDES, no Inpe, na Polícia Federal e na Receita Federal demarcam um novo estágio na escalada autoritária. Estamos diante de um dos mais sólidos indicadores históricos de decadência da democracia: o ataque direto às instituições com atuação independente. Esse fenômeno, acompanhado da crise econômica, agrava o risco de ruptura.
É preciso voltar um pouco no tempo para entender como isso começou.
O fator Villas Bôas
Durante a campanha eleitoral, o General Villas Bôas comandou a tropa no apoio a Bolsonaro. Em sua mais grave intervenção a favor do capitão reformado, o então comandante do Exército ameaçou “intervir”, caso o Supremo Tribunal Federal (STF) concedesse Habeas Corpus ao ex-presidente Lula.
Villas Bôas promoveu um ataque direto ao Supremo. Em movimento inédito na nossa curta democracia, chantageou o Judiciário e cacifou a biografia do próprio Exército, penosamente reconstruída após a ditadura. Villas Bôas atuou a favor da linha dura, pressionado pelo hálito quente vindo das entranhas radicais da tropa, as “cadelas no cio”, como definiu Ciro Gomes à época.
Terrorismo de Estado
A metástase autoritária toma conta do país. O terror de Estado, implantado no Rio de Janeiro, primeiro com a intervenção em 2018, e agora, onde o governador manda matar sem cerimônia, é a tempestade perfeita a anunciar novos tempos.
Em um próximo passo, não seria uma surpresa a extrema direita lançar mão de um atentado político, com o objetivo de subir mais um degrau na escalada fascista. A tenebrosa tentativa de transferir Lula da Superintendência da Polícia Federal no Paraná para um presídio em São Paulo é exemplo suficiente para corroborar essa tese.
Obviamente, há um poderoso interesse financeiro por trás de toda essa lambança.
Dois episódios com impacto sobre o modelo econômico do país exemplificam a estratégia.
O primeiro deles ocorreu em 15 de junho, quando Bolsonaro anunciou, de forma grotesca, a demissão de Joaquim Levy da presidência do BNDES. Nesse dia, as afrontas do presidente entraram em novo patamar. Deixou em segundo plano as aberrações machistas e homofóbicas e incidiu, de forma violenta, em um dos pilares da vida econômica brasileira, pois é de competência do BNDES o financiamento de longo prazo e o investimento nos inúmeros segmentos que dão sustentação à economia do país.
Estabelecida cabeça de ponte no banco, inicia-se o caminho rumo ao maior fetiche dos militares linha dura: a Amazônia, floresta que tentam pôr abaixo desde a época do General Médici, que governou o país na ditadura, no período de 1969 e 1974.
O segundo episódio foi demitir o diretor do Inpe, Ricardo Galvão, em 2 de agosto. Os dois casos estão vinculados e o objetivo é limpar o terreno para a implantação de uma estratégia econômica de alinhamento neocolonial, com a produção de commodities em larga escala, atropelando a proteção ambiental. O BNDES, como ente financiador, terá papel fundamental nessa guinada.
Bolsonaro tenta completar o serviço, intervindo na Polícia Federal, na Receita e onde mais lhe der na telha. A democracia brasileira está por um fio.
Por enquanto, se alguém bater à sua porta às seis da manhã, provavelmente será o leiteiro. Mas talvez isso não dure muito tempo.
A pergunta está no ar: haverá tempo de conter, democraticamente, a sanha autoritária?
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Leia a primeira coluna da série Brasil em escalada autoritária.
Edição: Daniela Stefano