Quando os problemas são de gente grande, verborragia de Bolsonaro é ineficiente
Olá,
Tudo indica que uma crise econômica global está a caminho. Porém, o governo brasileiro tem apenas duas preocupações: vender tudo o que for possível e manter suas tropas unidas pela verborragia do presidente. Analisamos este cenário e também atualizamos o escândalo do Paraguai e as manifestações em defesa da Educação. Vamos lá.
É a economia, estúpido
Na mesma semana, a guerra comercial entre China e EUA, assim como o flerte da Alemanha com a recessão, levaram as bolsas de valores a caírem. Há sinais de que uma grande crise econômica internacional vem aí. Como o Brasil vai lidar com a crise?
Quando se trata de problemas de gente grande, sabemos que a verborragia escatológica de Bolsonaro é ineficiente. E no quesito economia, o governo é um desastre: a prévia do PIB divulgada pelo Banco Central na segunda (12) mostra que a economia brasileira registrou retração de 0,13% no segundo trimestre de 2019. Como o nível de atividade já havia recuado 0,2% nos três primeiros meses deste ano, a economia brasileira pode ter entrado em uma "recessão técnica", ou seja, quando há dois trimestres seguidos de queda no PIB. Paulo Guedes, que antes anunciava que o Brasil voltaria a crescer em julho, agora pede “um ano ou dois” para entregar algum resultado. Convenhamos, só o mercado para levar a sério um ministro que diz que o Brasil não precisa da Argentina para crescer nem precisa se preocupar com o cenário internacional.
Como o governo quer retomar o crescimento econômico, já sabemos. Com privatizações, desmonte da seguridade social e desregulamentação total do trabalho. Na quinta, Guedes avisou mais uma vez que está tudo à venda: “Vamos privatizar Correios, Eletrobras e não duvido que vamos privatizar coisas maiores, viu, Castello?”, disse Guedes, se dirigindo ao presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco.
Antes disso, na terça (13), a Câmara aprovou a Medida Provisória da Liberdade Econômica, na qual apesar do enxugamento do texto original se mantiveram pontos como a liberação do trabalho aos domingos, com uma folga a cada quatro semanas. Foram revogados ainda artigos da CLT que vedavam trabalho de categorias como professores e telemarketing aos domingos, além de liberar a operação de agências bancárias aos sábados. Esta matéria resume as principais mudanças. A lógica do governo é bem simples e vai na linha do que o próprio Bolsonaro afirmava ainda na campanha, pra quem não prestou atenção: é emprego sem direitos ou nenhum emprego. A ideia é perversa e oportunista num país com milhões de desempregados. Mas é bem isso que pensa o governo e foi repetido de forma clara por um secretário do Ministério da Economia depois da aprovação da MP. O mesmo vale para o serviço público federal: vem aí uma reforma administrativa no Estado, evitando concursos, aumentando as terceirizações, reduzindo salários e restringindo o direito de greve, entre outros pontos.
Além disso, o governo não desistiu do projeto de criar o regime de capitalização através de uma PEC que seria enviada ao Congresso nas próximas semanas, de acordo com o ministro da Casa Civil. A proposta poderia ser questionada no STF, já que foi rejeitada pela Câmara e não poderia, em tese, voltar na mesma legislatura. Enquanto isso, a oposição só conseguiu adiar em uma semana o calendário da Previdência no Senado. Agora, a previsão é de que o texto seja votado em primeiro turno em 24 de setembro e o segundo, em 10 de outubro.
Em resumo, como analisa o jornalista Thomas Traumann, o mercado está exultante com o desmonte do Estado e finge não ouvir os ultrajes diários do presidente, só que o mercado não vota e quem vota tem pressa, como avisaram as eleições argentinas. E não há sinais de retomada do emprego, em função inclusive da capacidade ociosa das empresas. Desta forma, segundo Traumann, Bolsonaro aumenta sua dependência de Guedes, que por sua vez não tem muitas cartas nas mangas e nem vontade de retomar o crescimento com outra fórmula que não seja contar que um dia o empresariado resolva investir.
Tantas você fez que ela cansou
Como já era esperado, a Noruega anunciou nesta semana o bloqueio de R$ 133 milhões em repasses ao Fundo Amazônia, acompanhando a decisão da Alemanha, que em julho anunciou o bloqueio de R$ 155 milhões. Bolsonaro fez pouco caso e rebateu de canela, mandando Angela Merkel usar o dinheiro para reflorestar a Alemanha e dizendo que a Noruega mata baleias.
A embaixada alemã reagiu com um vídeo mostrando que o país possui uma das maiores áreas florestais da Europa.
Mas não é só lá fora que a retórica de morte de Bolsonaro tem efeitos práticos. Fazendeiros do sudoeste do Pará fizeram uma demonstração de força e promoveram queimadas em massa, como protesto a favor da destruição da Amazônia. Nesta semana, foi a vez o ex-ministro Blairo Maggi alertar que o “discurso agressivo” de Bolsonaro na área ambiental vai fazer o agronegócio perder duas décadas de avanços no mercado exterior e tem combustível suficiente para cancelar o acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia. A senadora Kátia Abreu deu entrevista no mesmo tom. Resta saber se um dia a ficha cairá de fato, já que por enquanto o mercado tem ficado pianinho com as ações de Bolsonaro enquanto a agenda de reformas avança no Congresso.
A mamata nunca acaba
Bolsonaro havia prometido para esta semana a indicação do novo Procurador-Geral da República, mas a decisão ainda pode demorar mais um pouco. Isso porque o presidente tem ignorado a lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e recebido potenciais candidatos a engavetadores gerais. Só um dos candidatos da lista tríplice foi recebido até agora.
Está acontecendo algo que nos governos do PT faria os comentaristas da Globo News terem síncopes ao vivo. Raquel Dodge, por exemplo, passou mais de quatro meses sentada sobre um processo contra Bolsonaro na expectativa de ser reconduzida à chefia do MPF. Somente em 6 de agosto, após perder força na disputa, mandou a investigação para a primeira instância.
Mesma frustração deve estar sentindo Deltan Dallagnol, que depois de anos de devoção teve seu nome rifado, por ser supostamente esquerdista demais para o bolsonarismo, mesmo diante dos apelos do seu parceiro Moro, cada vez mais subordinado a Bolsonaro. Como escreve um colunista do site The Intercept: “Não bastará ser um procurador de direita, mas um de extrema direita disposto a proteger o projeto de dilapidação da democracia. A família Bolsonaro quer um engavetador-geral de estimação”. Neste sentido, quem cresce nas apostas é o subprocurador Antonio Carlos Martins Soares, do Rio. No seu currículo, o item mais importante é a proximidade com a família Bolsonaro.
Neste meio tempo, o governo substitui o superintendente da Polícia Federal no RJ, ataca a Receita Federal e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para evitar o que o Bolsonaro chamou de “devassa” nas contas de sua família, mesma preocupação de integrantes dos demais poderes da República. “Os movimentos têm o objetivo de neutralizar” a Receita e o Coaf, escreve Helena Chagas. “Ou seja, enquanto seus mecanismos funcionaram para investigar o PT e outros, estava tudo bem. Agora a brincadeira acabou.”
As instituições funcionando
O livro “Os Onze – O STF, seus bastidores e suas crises” dos jornalistas Felipe Recondo e Luiz Weber, trouxe uma revelação dos momentos finais das eleições de 2018: para que Edson Facchin e Rosa Weber não tomassem atitude contra um coronel bolsonarista que ameaçava Weber, Dias Toffoli “lembrou que o então comandante do Exército, general (Eduardo) Villas Bôas, tinha 300 mil homens armados que majoritariamente apoiavam a candidatura de Jair Bolsonaro.”
Quase um ano depois, Toffoli parece ter perdido cada vez mais qualquer apreço pela Constituição, defendendo a uma plateia de banqueiros que a Carta Magna fosse desidratada para estimular a economia. Afeito a militares e banqueiros, um bolsonarista honorário.
Já a investigação do TSE de Facchin e Weber sobre o financiamento ilegal de redes sociais na campanha Bolsonaro parecia natimorta. Mas nesta semana, a assessora da presidência Rebecca Ribeiro Alves confirmou, em depoimento, que fake news eram distribuídas desde a casa do empresário Paulo Marinho, suplente do senador Flávio Bolsonaro.
As manifestações do dia 13
A Educação está entre os indicadores que mais se deterioram no governo Bolsonaro, segundo análise de 87 estatísticas oficiais pela Folha de São Paulo. Não é à toa que foi a área que mobilizou mais uma vez a oposição.
Na contagem do Brasil de Fato, foram realizadas manifestações em pelo menos 200 cidades brasileiras na terça (13), já o G1 baixou para 85 o número de cidades que registraram mobilização.
Para o El País, a manifestação em São Paulo não foi nem um tsunami, como pretendiam os organizadores, nem uma marolinha, como debochou a extrema-direita nas redes sociais. “Em São Paulo, o protesto em defesa da educação não contou com a mesma adesão dos atos de maio ou junho, mas ocupou pelo menos seis quarteirões de uma das pistas da avenida Paulista”, diz o relato. Sobre o ato de São Paulo, o UOL observou uma maior presença das cores verde e amarela, o que seria uma tentativa de reapropriação do símbolo raptado pela direita.
Tem boi na linha (de transmissão)
Para não perder de vista. A empresa brasileira de energia Léros fez uma proposta formal, no último 27 de julho, para comprar por US$ 31,50 / MWh a energia de Itaipu do Paraguai, o que atualmente é proibido. O documento foi publicado pelo jornal paraguaio ABC Color. Representantes da Léros viajam ao Paraguai desde abril com o empresário Alexandre Luiz Giordano, filiado ao PSL e suplente do senador Major Olimpio (PSL-SP). O ABC Color afirma que esses representantes diziam ter proximidade com a família Bolsonaro. Já o ex-ministro das Relações Exteriores do Paraguai, Luis Alberto Castiglioni, disse na terça (13) que houve uma negociação paralela sobre os termos da polêmica ata que pode provocar o impeachment do presidente Mario Abdo Benítez.
O principal ponto crítico no acordo, que acabou anulado após a repercussão internacional, foi a exclusão do artigo 6, proibindo a Ande de comercializar diretamente no mercado brasileiro a energia excedente de Itaipu. Com a exclusão, a Léros compraria a energia da paraguaia Ande e faria a redistribuição no Brasil. Enquanto isso, movimentos sociais e oposição fazem manifestações pelo impeachment do presidente paraguaio e por novas eleições, enquanto Marito, como é chamado para se diferenciar do pai, se segura com apoio do ex-presidente, Horacio Cartes.
Violência no Rio
Aos 16 anos, Dyogo Coutinho foi morto durante uma operação da Polícia Militar na comunidade da Grota do Surucucu, em Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro. Em sua mochila, não havia armas nem drogas, mas um par de chuteiras: ele jogava futebol nas categorias de base do América e estava indo para o treino. Até então, Dyogo era um dos cinco jovens mortos em operações da PM num intervalo de 80 horas no Rio de Janeiro. “A PM chegou a afirmar que três deles eram suspeitos. A família de todos nega”, diz a matéria do G1. Aos cinco se somou tragicamente mais uma vítima: uma jovem de 17 anos, mãe de uma criança de dois anos, morreu na noite de terça (13) durante uma operação em Bangu.
O aumento da violência policial no Rio de Janeiro é uma consequência trágica da escalada autoritária no Brasil. Não esqueçamos que o governador Wilson Witzel costuma dar declarações que, na prática, chancelam a pena de morte sem julgamento nos morros e vielas. Após a morte do jovem jogador das categorias de base do América, manteve o discurso de que está em guerra contra “terroristas” e ainda negou que os jovens tenham sido mortos por policiais. Confrontado após a sequência de jovens mortos em operações da PM, o secretário de segurança tratou os casos como uma espécie de efeito colateral a ser lamentado, apenas, e ainda deixou claro que mais mortes acontecerão.
O porta-voz de Bolsonaro foi questionado se o presidente comentou o caso. Resposta: não. Também disse que a solução do governo é apoiar o pacote anticrime de Moro, sem atentar-se para o fato de que uma das medidas do pacote cria o chamado “excludente de ilicitude” para policiais.
Na segunda (12), 1.500 cartas escritas por crianças e moradores da Maré foram entregues ao TJ-RJ. Uma das reivindicações é a volta de um protocolo, suspenso em junho deste ano, que regulava as operações policiais nas favelas do Rio.
Ponto final: dicas de leitura, vídeos e mais
- O jornalista e historiador indiano Vijay Prashad, em passagem pelo Brasil para o lançamento do livro "Estrela Vermelha sobre o Terceiro Mundo", fala sobre a ascensão do fascismo no mundo em entrevista ao Brasil de Fato. “Meu entendimento sobre o crescimento desses neoautoritários e neofascistas é que eles não representam o fascismo convencional do século 20. Eles não precisam destruir as instituições da democracia, mas simplesmente esvaziá-las”, provoca.
- Em artigo para o Brasil de Fato, Frei Betto enumera dez táticas usadas por Bolsonaro em seu projeto de poder. Despolitizar o discurso político e impregná-lo de moralismo, convencer a opinião pública de que foi ungido por Deus, aprofundar a linha divisória entre os que o apoiam e os que o criticam e deslegitimar todos os discursos que não se coadunam ao dele estão entre as táticas apontadas.
- O professor e pesquisador Christian Edward Cyril Lynch, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ, que recentemente deu entrevista que indicamos, escreveu um texto interessante em seu próprio Facebook, fornecendo outro viés de leitura sobre o governo Bolsonaro. Na esteira da crise das instituições provocada pela “revolução judiciarista”, Bolsonaro governa sem uma base parlamentar tradicional e sem suporte de quadros técnicos e políticos como ocorria nos governos do PT e do PSDB. “A perseguição à imprensa, os expurgos (...) são movimentos que desempenham duas funções. A primeira é a de reafirmar a autoridade do governo conforme seu radicalismo reacionário e advertir os subordinados para que não alimentem veleidades de crítica. A segunda tem por fim incentivar os moderados a aderirem ao radicalismo, abraçando o governo com manifestações de apoio”, escreve.
- Reportagem da agência Pública mostra que a Capitol Ministries, organização evangélica norte-americana que atua com evangelização de políticos e tem bastante influência no governo Donald Trump, está chegando ao Brasil. Financiada pelo vice-presidente Mike Pence e pelo secretário de Estado Mike Pompeo, a Capitol Ministries está abrindo capítulos em países latino-americanos e tem lançamento oficial no Brasil programado para a segunda quinzena de agosto no Senado.
- Como um complemento à análise acima, vale ler o artigo de Cristina Lôbo sobre a rotina presidencial de falar com a imprensa todas as manhãs, soltar frases absurdas e assim pautar o debate do dia. “As entrevistas diárias de Bolsonaro têm um público alvo: o eleitor bolsonarista, aquele que apoia até mesmo as declarações mais polêmicas. Ao mesmo tempo, o presidente busca polarizar com os adversários (principalmente, a esquerda)”, escreve a jornalista.
- O cientista político José Luis Fiori analisa o que foi a economia chilena nos anos Pinochet, a principal referência aos planos econômicos de Paulo Guedes. No final da ditadura, o PIB chileno cresceu apenas 1,6% ao ano, próximo da estagnação econômica, além de uma taxa de 18% de desemprego e de 45% da população situada abaixo da linha de pobreza. “A experiência do Chile pode servir de advertência às lideranças políticas, sociais e econômicas que não queiram repetir no Brasil a tragédia do “fascismo de mercado” de Pinochet, uma das grandes excrescências do século 20” escreve Fiori.
- A professora de Direito Constitucional da UFC, Cynara Monteiro Mariano, detalhou o programa Future-se, apresentado pelo MEC. “É um retrocesso que propõe uma flexibilização completa e absoluta do regime jurídico administrativo para as universidades, além de retirar completamente a autonomia universitária”, afirma a professora, em debate disponível em vídeo.
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Ponto é uma newsletter semanal editada por Daniel Cassol e Miguel Enrique Stédile. Envie seu comentário, crítica ou sugestão para o e-mail.
Edição: Daniela Stefano