Embora esteja envolvido nos desvios, se vale da confusão e permanece oculto
Mago, bruxo, curandeiro, louco ou vigarista. Qualquer que seja a opinião que se tenha sobre Grigori Rasputin, é difícil alguém não concordar que ele exercia poder à sombra da família do Czar Nicolau II e com isso influenciou os acontecimentos que precederam a Revolução Russa de 1917.
No Brasil contemporâneo, os eventos que norteiam a operação Lava Jato possuem, para além das personagens ditas principais, figuras emblemáticas e relevantes para o deslinde dos acontecimentos. Algumas parecem coadjuvantes. Mas apenas se não aproximamos a lente e observamos com mais cuidado.
Na madrugada do dia 1º de agosto, uma personalidade que se apresenta com constância e importância nos diálogos divulgados pelo The Intercept Brasil e pelos demais meios de comunicação, foi novamente protagonista de fatos revelados. Uma espécie de Rasputin tropical, o procurador regional da República Eduardo Pelella, embora continue, curiosamente, submerso e trabalhando normalmente em São Paulo, não desponta nas representações feitas ao CNMP ou nas denúncias à PGR, aparece nos noticiários há algum tempo, atuando de forma central no desenrolar dos principais fatos que envolvem o mundo jurídico-político, alguns agora revelados, outros bem antes deles.
Pellela foi chefe de gabinete de Rodrigo Janot quando este foi Procurador-Geral da República. Era seu braço direito. Chegou a ser convocado na CPI da JBS no Congresso Nacional em 2017, acusado de atuação política na delação da empresa, mencionado em diálogos de delatores, e nas tratativas entre Joesley Batista e Ricardo Saud. São muitas as afirmações de que o gabinete de Janot, por meio de Pellela, tinha conhecimento de ilegalidades cometidas pelo também ex-procurador Marcelo Miller, que atuava de forma indireta nas negociações da referida delação premiada, no dia seguinte à sua saída do órgão.
Em revelações feitas pelo portal The Intercept Brasil de diálogos ocorridos no dia 23 de março de 2016, Pelella aparece na combinação com Deltan Dallagnol, o espertalhão coordenador da força-tarefa da operação Lava Jato, para formular um parecer no STF a pedido de Sérgio Moro, com o intuito de manter na 13ª Vara de Curitiba processos que Moro havia ocultado do relator da operação no STF, ministro Teori Zavaski, nos quais haviam pessoas com prerrogativa de foro, o que foi efetivamente cumprido no parecer assinado por Rodrigo Janot.
Em linha direta, Moro reclamou a Deltan, que pediu a Pellela, que providenciou o parecer e Janot assinou. Uma orquestração perfeita.
Nos diálogos revelados no dia 26 de julho por Reinaldo Azevedo, na BandNews, Débora Santos, a esposa de Pelella, ex-assessora de comunicação do atual relator da Lava Jato no STF, ministro Edson Fachin, posteriormente assessora da XP Investimentos, aparece convidando, em 17 de maio de 2018, Deltan Dallagnol para proferir palestra remunerada para empresários sobre “a Lava Jato e as eleições”, em ambiente privado, sem divulgação. Ele compareceu.
Na madrugada da última quinta-feira, desta vez no jornal Folha de S. Paulo, o ex-chefe de gabinete de Janot surge novamente nos diálogos, repassando a Dallagnol informações sobre Dias Toffoli, ministro do STF, em 2016. A investigação sobre Toffoli, que não poderia ser feita por procuradores da República, mas apenas pela PGR, não ocorria pela desconfiança de algum crime, de forma genuína, mas pela irresignação dos membros da força-tarefa com algumas de suas decisões, que contrariavam os interesses da Lava Jato.
Embora esteja diretamente envolvido nos desvios e com grande responsabilidade nos resultados, o procurador regional se beneficia da confusão generalizada nas divulgações, que apontam nomes do alto escalão da República, da indiferença da sociedade com o processo todo e age como se tudo fosse parte da paisagem, permanecendo “oculto”.
Nesse enredo da vida real que se tornaram as revelações feitas por Glenn Greenwald, sua equipe e os posteriores parceiros, há evidência de mais charlatões da moralidade do que podemos supor. A desonestidade com que a Lava Jato foi conduzida, com distorção de valores, envolve um número muito significativo de servidores públicos, que nos obriga, como sociedade, não apenas a exigir sua responsabilização, mas a repensar amplamente o sistema de Justiça a partir de um grande debate político racional e nacional.
Edição: Pedro Ribeiro Nogueira