Apoiar Bolsonaro é a escolha mais desastrada da história dos militares no Brasil
Não sei vocês, mas eu não tenho amizades militares. Nem nunca tive. Nenhum rejeito ou desprezo. Apenas a vida quis assim. Mas vejo com espanto e lástima o comportamento das Forças Armadas diante da cena atual. Não entendo – a não ser por um motivo de ordem psicanalítica – a razão pela qual escolheram o caminho que estão trilhando. Sim, escolheram. E foi uma das escolhas mais desastradas da história das FFAA, plena de desastres e equívocos. O que não é pouca coisa.
Militares estão encravados na história das violências contra a lei, o direito, as gentes. Foi assim em 1889. Chegamos à República não através de uma revolução mas de um golpe militar. Estiveram solidários em boa parte no Estado Novo e derrubaram Getúlio em 1945. Cinco anos depois, eleito Getúlio, tramaram para destituí-lo junto com a direita mais feroz. Pressionaram também aquele gatilho no final da noite de 24 de agosto. Em 1961, tentaram impedir a posse de João Goulart. Mas o golpe maior viria em 1964. Depois da longa noite, devolveram o país em 1985 com uma inflação de 229% ao ano e um rol de barbáries, incluindo censura, perseguição, prisão, exílio, tortura, assassinato e desaparecimento de corpos.
Após uma anistia que até hoje envergonha o Brasil perante o mundo civilizado por acobertar açougueiros de carne humana, calaram-se. Mudez rompida, vez por outra por rugidos contra a necessária elucidação dos fatos de um passado macabro.
Transcorridas três décadas de redemocratização meia-sola, dado o golpe de 2016 encarapitaram-se no mandato Temer. Dois anos mais tarde, o comandante do exército colocou as mangas de fora, pressionando o STF para negar habeas corpus a Lula. Sua ponte para o futuro não era Temer, mas aquele ex-capitão que outro general, Ernesto Geisel, e o coronel Jarbas Passarinho tachavam de “mau militar”. Sim, aquele acusado de planejar explodir bombas em quartéis e que escapou por um triz de ser expulso da corporação.
Por afeição ao cargo e ao poder, sujeitaram-se às cusparadas verbais de um astrólogo que escala e remove ministros. Dele ouviram o que nunca lhes haviam dito publicamente. Foram chamados de “bebês fardados” e “bando de cagões”. Ao então secretário de governo, descreveu como “politicamente analfabeto”. Afirmou sua superioridade intelectual sobre a alta oficialidade valendo-se de uma comparação grotesca: “Tento me imaginar discutindo filosofia política com um desses generais. É mais fácil treinar artes marciais com um bicho-preguiça...”
Sem tugir nem mugir, viram o capitão das bombas, o mesmo que o ministro José Luiz Clerot, do STM, disse que seria incapaz de escrever “Duque de Caxias”, entregar, sem contrapartida, o petróleo e a Amazônia e oferecer a base de Alcântara a Donald Trump. Embora lhes caiba, constitucionalmente, a defesa da soberania nacional.
Sem piscar, observaram o ex-oficial acusado de praticar “atos que afetam a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe” nos anos 1980, chafurdar na exaltação, extensiva a sua família, daquilo que tem sido chamado de “milícia” mas que, perante a lei, pode ser traduzido por crime organizado.
Contemplam o churrio de asneiras proveniente das mandíbulas presidenciais as contínuas ofensas aos nordestinos, aos estudantes, aos negros, aos gays, às mulheres, à imprensa, aos adversários. Como se tal demência estivesse ocorrendo em outro planeta.
Admiram, como se estivessem descolados deste mundo, os ataques à inteligência, ao conhecimento, à ciência. E a glorificação da auto verdade, da ignorância e das trevas.
Prestam reverência a um figurante do baixo clero da Câmara onde passou 30 anos sendo visto como assunto de folclore, dono de contribuição nula para o país.
Fazem de conta que não percebem a própria submissão a uma personalidade perturbada, ressentida e cruel com profundo sentimento de inferioridade, atributos que não formam um presidente, mas um tirano
Acompanham a espiral da loucura bolsonarista como não lhes dissesse respeito. Mas lhes diz. Como toda e cada uma das impropriedades, dos delírios, das cegueiras, das agressões, das perseguições. E isto será a sua tragédia.
Durante décadas tentaram fugir à mácula dos anos de chumbo. Procuraram polir sua imagem, distanciar-se do horror. Agora, juntaram-se não a um admirador de Castelo Branco ou Golbery, mas a um fã de Brilhante Ustra. Não a um vulto da cúpula, mas a um déspota dos porões. São, portanto, iguais a quem servem. E são piores do que julgavam ser.
Fazem por merecer serem chamadas, algum dia, de Forças Armadas Bolsonarianas. Quando isto vier a acontecer, se acontecer, não serão dignas de pena. Ninguém verterá uma lágrima por elas ou pelo destino que terão construído. Haverá compaixão, isto sim, pelo país e a sua gente.
Edição: João Paulo Soares