Em um bairro pobre do sul fluminense, a mãe de um dependente químico denuncia a abordagem truculenta da Polícia Militar contra seu filho de 25 anos. Após cumprir pena por associação ao tráfico, o jovem voltou a ser preso depois de um ano e meio em liberdade. “O policial pegou meu filho e veio agredindo ele pelo caminho até minha residência. Jogaram ele no chão, espancando, chutando, batendo na boca do estômago”, relata.
“Falaram pra ele: ‘você deu sorte de eu ter te pego aqui na rua porque se eu te pego em outro lugar você estava morto’. Apontou o fuzil pra ele. Eu falei ‘faz o serviço certo, leva ele preso mas não precisa fazer isso’. Aí chegaram pessoas da igreja, minha filha e outro policial falando que não precisava fazer aquilo”, conta a pensionista que pediu para a reportagem não identificar ela nem o filho por medo de represálias.
Também por medo, a dona de casa negou testemunhar a agressão do PM na audiência de custódia. Outras testemunhas e o exame de corpo de delito comprovaram que houve violência por parte das autoridades na prisão em flagrante. A maioria das agressões praticadas contra pessoas presas aconteceu no local do fato, segundo um levantamento da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.
Em 82% dos casos os responsáveis pela tortura eram policiais militares. O relatório torna público os registros do protocolo de prevenção e combate à tortura, criado em julho do ano passado. O perfil das 931 vítimas de tortura no estado do Rio no período de dez meses é parecido com o filho da dona de casa do sul fluminense. Sendo a maioria homem (97%), jovem (66% têm até 29 anos), preta e parda (82,6%) e com baixa escolaridade (76% estudaram até o ensino fundamental). O total dos casos resulta em uma média de três presos agredidos por dia.
“É importante que haja um movimento de educação em direitos dos agentes de segurança acerca do que eles não podem fazer e também da sociedade sobre a dimensão do problema, e que a situação não deve ser naturalizada. Muitas vezes se tem uma ideia de que a agressão no momento da prisão faz parte. Mas é uma conduta proibida inclusive pela Constituição. O Estado não pode ele mesmo praticar crimes a pretexto de combater o crime”, ressalta Mariana Castro, defensora pública, integrante do Núcleo de Direitos Humanos (NUDEDH), da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.
Em entrevista ao Programa Brasil de Fato, Mariana explicou que a audiência de custódia foi criada com o objetivo de verificar se o preso sofreu maus tratos ou não até 24h depois da prisão em flagrante. 98% das agressões foram denunciadas pela própria vítima; 96% na audiência de custódia, quando a pessoa detida é apresentada para um juiz que avalia a necessidade de manter a prisão.
O comando Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMERJ) informou em nota que “não compactua com qualquer tipo de desvio de conduta ou cometimento de excessos por parte de seus policiais”. A Corregedoria da corporação recebe denúncias pelo WhatsApp (21) 97598-4593, por telefone no número (21) 2725-9098 ou pelo e-mail [email protected].
“A Corregedoria da PM apura com extremo rigor todas as denúncias que caminhem nesse sentido, assim como se mantém integralmente à disposição para colaborar com todos os procedimentos apuratórios conduzidos pelas esferas judiciais”, diz a nota.
Para a defensora Mariana Castro, o envolvimento da PM na maioria dos casos de tortura se insere no contexto da formação dos agentes “sob a lógica da guerra, de combate ao inimigo”. “O inimigo não tem direitos e portanto pode sofrer agressões de qualquer tipo”, completa. A Defensoria vai se reunir com representantes das polícias Civil e Militar, assim como do Executivo e Legislativo para encaminhar diretrizes sobre o tema.
Edição: Vivian Virissimo