Presidente da Associação Brasileira de Ciências (ABC) e professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Luiz Davidovich reagiu à declaração do presidente Jair Bolsonaro (PSL) sobre os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que mostram avanço do desmatamento no país e disse confiar nos números apresentados pela instituição.
O último monitoramento do órgão mostra que a Amazônia perdeu 762,3 km² no mês de junho, o que representa um aumento de 60% sobre o mesmo período de 2018. Na última sexta-feira (19), o capitão reformado disse a veículos de imprensa que as estatísticas do Inpe não estariam de acordo com a realidade nacional, além de "dificultar as negociações" no exterior.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Davidovich ressalta que o trabalho do instituto é considerado “ultramoderno” e que os dados produzidos pela instituição são disponibilizados para todo o mundo por meio de técnicas de transparência. “Eu acredito que todos os brasileiros, do peão da fábrica ao presidente da República, deveriam se orgulhar do trabalho feito pelo Inpe, que esclarece a situação dos biomas nacionais. Defender o Inpe é defender a ciência brasileira, é defender o Brasil”, sustenta.
Na semana passada, Bolsonaro chegou a afirmar que o diretor do Inpe, Ricardo Galvão, seria “chamado para se explicar” e sugeriu que o pesquisador, que é físico e engenheiro, poderia estar agindo “a serviço de alguma ONG”. O presidente da ABC, por outro lado, ressalta a credibilidade do material produzido pelo instituto e afirma que a preservação da Amazônia é central para o desenvolvimento do Brasil.
“Isso precisa ser esclarecido. A realidade que os dados mostram é fiel, mostram o trágico desmatamento da Amazônia, que está prejudicando uma grande riqueza do Brasil. A Amazônia é importante não só por conta do clima, mas também por conta da biodiversidade que contém”, afirma Davidovich.
Outras reações
Em nota publicada no domingo (21), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), principal organização do meio científico no país, classificou as críticas de Bolsonaro como “ofensivas, inaceitáveis e lesivas ao conhecimento científico”. A entidade também ressaltou que o Inpe tem uma atuação de cerca de 60 anos e “reconhecimento no país e no exterior”.
“A ciência produzida pelo Inpe está entre as melhores do mundo em suas áreas de atuação, graças a uma equipe de cientistas e técnicos de excelente qualificação, e presta inestimáveis serviços ao País. O diretor do Inpe, Dr. Ricardo Galvão, é um cientista reconhecido internacionalmente, que há décadas contribui para a ciência, a tecnologia e a inovação do Brasil”, complementa o texto.
A nota sublinha que a entidade tem “confiança na qualidade do monitoramento da Amazônia” feito pelo instituto e que eventuais contrapontos a esse conteúdo precisariam ter base científica.
“Em ciência, os dados podem ser questionados, porém sempre com argumentos científicos sólidos, e não por motivações de caráter ideológico, político ou de qualquer outra natureza. Desmerecer instituições científicas da qualificação do Inpe gera uma imagem negativa do País e da ciência que é aqui realizada”, afirma o Conselho da SPBC, signatário do documento.
A ABC também se manifestou publicamente por meio de nota. A organização, que reúne mais de 700 cientistas de diferentes áreas, disse que a iniciativa do presidente “ataca também toda a comunidade de pesquisadores do Brasil e a soberania nacional”.
“O Inpe foi criado em 1961 com a missão de produzir informações e tecnologias robustas nas áreas espacial e do ambiente terrestre, bem como disponibilizar produtos e serviços para o Brasil, subsidiar suas políticas públicas e dar suporte à comunidade científica brasileira. Seu corpo de pesquisadores é de altíssimo nível e por isso participa dos principais fóruns mundiais nas áreas de suas especialidades. Sua infraestrutura é invejável e representa o estado da arte [o mais elevado nível de desenvolvimento] nas áreas relacionadas à sua missão”, acrescenta o texto.
Embargo
Após a repercussão de seus ataques em relação ao Inpe, Bolsonaro seguiu no tom de ofensiva e defendeu nessa segunda-feira (22) que os dados sobre o desmatamento passem antes por ele, porque não quer ser “pego de calças curtas” com questões importantes que podem prejudicar negociações do país. Ele também disse que essas informações deveriam passar pelo crivo do Ministério da Ciência e Tecnologia.
“Eu estou acostumado com hierarquia e disciplina, e no governo sei que a maioria é civil. Então quando o Inpe detecta um dado qualquer, ele tem que subir os dados para o ministro Marcos Pontes, de Ciência e Tecnologia, antes passando pelo Ibama para divulgar”, declarou, depois de um almoço no Comando da Aeronáutica.
Edição: Daniel Giovanaz