Brasil ocupará de novo o centro do picadeiro para servir de diversão ao planeta
Marx talvez não tenha sido tão preciso assim quando escreveu que a História acontece como tragédia e depois se repete como farsa. Pode ser que, surgindo como farsa, repita-se também como farsa. Mil novecentos e setenta e oito anos passados, o que aconteceu em Roma está, de algum modo, repetindo-se aqui. É o que leva a pensar a ameaça de Jair Bolsonaro de presentear seu filho Eduardo, o Zero3, com a embaixada do Brasil nos Estados Unidos. Para tanto, o próprio Eduardo, deslumbrado com o mimo, brande suas credenciais para Washington: fez intercâmbio e fritou hambúrgueres no estado do Maine, fustigado pelos ventos do Atlântico Norte. Portanto, chapeiro testado e aprovado. Sim, é isto.
Nomeações aberrantes são novidade antiga. A mais espetacular delas parece ter inspirado o figurante do baixo clero que virou presidente. Obra de Caio Júlio César Augusto Germânico, de apelido Calígula. Coroado imperador em 37DC, Calígula começou bem: distribuiu dinheiro e presentes aos cidadãos romanos e aumentou as batalhas de gladiadores. Pão e circo, vá lá, mas, cá entre nós, bem melhor do que a reforma da Previdência, não? Depois, desembestou. Por conta da epilepsia, dos porres ou de uma poção misteriosa dada por sua esposa, converteu-se num dos maiores monstros da história da humanidade.
Marcou o rosto de senadores com ferro em brasa, condenou seus adversários ao trabalho nas minas, assistiu as torturas que ordenou (certo, para quem teve Brilhante Ustra, isto também não impressiona...), violentou as esposas de seus convidados, mandou castrar um gladiador por ter o pênis maior do que o dele e, para se divertir um pouco mais, resolveu jogar velhos na arena para enfrentar tigres e leões, numa espécie de prévia da nova previdência do ministro Guedes.
Mas, entre tantas façanhas, o episódio pelo qual é mais lembrado é a nomeação de seu cavalo Incitatus ao Senado. Adornado com um colar de pedras preciosas, Incitatus dispunha de 18 serviçais e vivia numa estrebaria de mármore. Na véspera das corridas, os soldados impunham silêncio à vizinhança para que o corcel imperial dormisse um sono reparador.
Incitatus senador foi mais um desaforo a uma instituição -- o Senado, com quem o imperador vivia às turras -- do que a glorificação do cavalo. E Zero3 embaixador, o que é? Quem sabe uma bofetada em outra instituição, o Itamaraty, a quem nosso monarca já impôs um chanceler burlesco.
Embora muito diferentes entre si, os soberanos de Roma e Brasília guardam algo em comum. Ambos, em algum momento, sofreram atentados – sendo que, Calígula, não escapou do terceiro, quando levou 30 facadas; defenderam tortura e eliminação de oponentes, algo que o romano levou a cabo; nenhum dos dois teve afeição à cultura, embora Calígula adorasse dançar e cantar – felizmente o brasileiro não ainda não tentou isso; os dois apareceram em público com vestuário pouco convencional, Bolsonaro, em palácio, de chinelos, casaco e camiseta do Palmeiras e Calígula com roupas de mulher; e, nos dois casos, há quem suspeite de algum problema de ordem mental.
Em certo momento de seu curto reinado de quatro anos, Calígula julgou-se Deus e exigiu ser adorado. Em Pindorama, ainda não alcançamos este estágio, embora o ministro Ernesto Araújo já tenha sustentado a procedência divinal do seu chefe.
Nenhuma semelhança entre Zero3 e Incitatus. O que os aproxima é a insolência, a desfaçatez que motivou tanto a decisão de Roma quanto a cogitação de Brasília. A única ressalva que se pode fazer é que Zero3 aprovou a escolha, enquanto Incitatus foi para o túmulo sem emitir sua opinião.
Mas a quem aproveitará a nomeação de Zero3, o Rei do Hambúrger, para a chefia da representação diplomática na nação mais poderosa do mundo? Ao governo? Pouco provável. Aos Bolsonaros? É bem possível. Ao Brasil, por certo, não será. Ao contrário, será mais um momento em que o país ocupará o centro do picadeiro para servir de diversão ao planeta.
Edição: Daniel Giovanaz