A luta sempre continua e tudo sempre recomeça
“Uso a palavra para compor meus silêncios”. A frase que, desavergonhadamente, já me acostumei a roubar de meu dileto poeta Manoel de Barros, que virou passarinho há 5 anos, ganha agora uma periodicidade semanal. Estrear uma coluna em um portal, como faço hoje, lembra uma garota pobre que ganha uma boneca nova: tem que cuidar com carinho.
Ocupar o espaço do silêncio conformista, do silêncio covarde, do silêncio conivente, e ousar fazê-lo sem banalizar as palavras, entendendo que elas identificam o pertencimento a um tempo e um lugar. Eis o desafio.
Eu sou mulher, jurista, de esquerda. Também sou muitas outras coisas que me portam. Em sonhos, de tanto que almejo voar, posso ser Ícaro. Desperta, ligada à Terra pelo amor maior, sou a mãe do Gabriel.
Escrever é um desnudar-se, exibir-se ao julgo de coletivo incerto, buscar pistas para a compreensão das coisas tantas que nos cercam, com as próprias singularidades, impactos e desejos, tentando construir reflexões que nos arranquem da apatia. É arriscar-se, sabendo da possibilidade de não conexão do que se quer expor.
Do ponto onde enxergo o mundo, há aqui e agora muito barulho e deserto de ideias. Volto, então, meu olhar para o futuro.
Com tantos desatinos, não há nada no horizonte cuja imagem possa ser vista com nitidez. Um pouco mais de atenção, entretanto, junto aos que comigo buscam eliminar as névoas, nos permitirá reconhecer uma vontade que nos acende como uma lanterna que carregamos no peito.
Se o futuro de hoje nos é ofertado como uma distopia, necessário que nosso presente seja movido para construí-lo para muito além do patamar simbólico. Ele, futuro, se faz agora, com nossos risos e nossas vontades, com nossos desejos e empenho. O desafio do hoje é reinventar, ou descobrir de fato, outros mecanismos de transformação da realidade, além de todos os ganhos e perdas. É nossa cisma, mesmo em terra arrasada, que alimenta o novo que há de vir.
Urge ter a alma aberta, o olhar afetivo e a coragem para resistir e insistir. Não me queixo, há muito por fazer. Porto comigo as vozes de meu tempo e estou aqui, sempre e de novo, com o coração disposto a teimar e a recuperar o alimento filosófico, de que vamos plantando o necessário para colher o possível, retomando os exercícios sobre a luz, enxergando além da cegueira coletiva, para não me render. Porque em horas assim, em que tudo parece perdido, por paradoxal que pareça, a incerteza é a única coisa certa.
Escreverei, então, neste espaço, crônicas sobre sonhos e teimosia. Da mulher de mente inquieta e espinha ereta, no campo minado de desfechos incertos, determinada a acreditar, lembrando que vale o velho jargão de esquerda, de que a luta sempre continua e tudo sempre recomeça.
Hoje é um começo.
Edição: Daniel Giovanaz