O Ministério Público do Trabalho de Alagoas deu um ultimato às TVs Gazeta e Mar, ambas do grupo Arnon de Mello, para que revertam em no máximo três dias as demissões ilegais de 15 jornalistas que participaram de uma greve contra a redução de salários. A reincorporação dos profissionais, segundo notificação expedida pelo procurador Rodrigo Alencar, deve ocorrer até segunda-feira (8).
Caso não cumpra a determinação, as emissoras estarão sujeitas a medidas administrativas e judiciais.
Dos demitidos, 14 trabalham na TV Gazeta, afiliada da Rede Globo no estado. O grupo Arnon, também responsável pelo site Gazetaweb e pelas notícias de Alagoas no portal G1, é de propriedade da família do senador Fernando Collor de Mello.
O ataque do grupo aconteceu depois de uma greve vitoriosa dos jornalistas de Maceió - de vários veículos - contra a proposta das empresas de redução do piso salarial da categoria.
A greve durou nove dias, até que, na quarta-feira (3), o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) decidiu, por unanimidade, manter o piso salarial dos jornalistas e ainda conceder o reajuste de 3%. Com a decisão, o piso passou de R$ 3.565,27 para R$ 3.672,22.
No julgamento, os desembargadores também decidiram pela legalidade da greve e pelo não desconto dos nove dias parados - o que também não foi cumprido pelo Grupo Arnon.
Retaliações
Entre os demitidos estão repórteres, apresentadores, produtores e cinegrafistas.
"Ontem [quinta-feira] de manhã, quando eu cheguei na empresa para trabalhar, fiz minhas pautas. Depois, fui chamada no RH e comunicada que estava sendo dispensada. Recebi a documentação de praxe. E daí começou uma fila de pessoas sendo chamadas", relata a produtora Adelaide Nogueira, de 39 anos. Ela trabalha há 15 anos na Organização, onde começou como estagiária.
Adelaide classifica os desligamentos comoc retaliações. "Para mim, fica claro que é uma forma de dizer que a gente não deveria ter ido para greve", afirma.
O Sindjornal também caracteriza a medida como "perseguição e assédio moral".
A dirigente da entidade Élida Miranda, que também coordena a Central Única dos Trabalhadores (CUT), classificou a atitude de antissindical. "Não há nenhuma motivação econômica nessas demissões", afirmou.
A entidade lembra que a emissora burlou a lei, ao fazer as demissões antes da publicação do acórdão, que protege os jornalistas de desligamentos por três meses.
Além da rescisão, a emissora vai pagar salários referentes ao período para os trabalhadores. “O que derruba a ideia de que a empresa está em crise e que há um grande problema financeiro, que era o argumento no qual eles iam se se agarrando antes da decisão do tribunal”, diz Miranda.
Após o anúncio do passaralho, como são conhecidas as demissões em massa nas redações de jornais, diversas entidades de classe e políticos anunciaram apoio aos jornalistas alagoanos.
No Twitter, a hashtag #LuteComoUmJornalista e #CollorDemiteGloboSeCala aglutinaram apoios aos profissionais. A hashtag faz referência ao ex-presidente e senador alagoano Fernando Collor de Mello, cuja família é proprietária do grupo.
Em nota, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) repudiou demissões.
“A greve é um direito legal da classe trabalhadora na luta por condições dignas de trabalho e somente é utilizada quando todas as tentativas de negociação se esgotam e os trabalhadores se veem ameaçados em sua sobrevivência”, diz o texto da entidade.
Os profissionais demitidos e apoiadores da greve fizeram um ato na frente da empresa na tarde desta sexta-feira (5), relatou Élida.
“A gente entende que tem um conjunto de interesses em querer fragilizar a categoria, desmoralizar a greve, que saiu vitoriosa. A gente então acha que é muito importante que não seja desconstruída nossa narrativa nesses termos”, afirma a sindicalista.
O Brasil de Fato entrou em contato com a Rede Globo, que afirmou que não comenta assuntos relacionados a suas afiliadas. Já a TV Gazeta de Alagoas não respondeu ao e-mail da reportagem até a publicação deste texto.
A Greve
Filha de jornalista que batalhou pela instituição do piso salarial no estado, a produtora Adelaide Nogueira conta que ficou orgulhosa do forte movimento grevista, que ela nunca tinha visto na categoria, desde que começou trabalhar. “Aqui em Alagoas eu nunca vi algo desse jeito”, diz.
“A gente tinha colegas armando tendas, grupos para combinar carona, a gente teve solidariedade de todos os lados e de todas as formas. Isso foi muito emocionante. E o que foi melhor, a gente conseguiu desconstruir a ideia de concorrência: A gente descobriu que os colegas das outras emissoras são nossos colegas. O espírito de coletividade está sendo muito maior."
Iniciado no dia 25 de junho, o movimento paralisou 90% dos profissionais representantes dos três maiores grupos de comunicação de Alagoas: a OAM, Pajuçara Sistema de Comunicação (TV Pajuçara, afiliada da TV Record, e TNH1) e Grupo Opinião (TV Ponta Verde, afiliada do SBT, e OP9). As empresas propunham redução de 40% nos salários de novos empregados.
“Para nossa surpresa, de todos e todas, a categoria está muito unida e muito forte. É como se os colegas jornalistas tivessem finalmente compreendido que são trabalhadores. E enxergam o movimento grevista de uma outra forma", comenta Élida.
Edição: João Paulo Soares