A longa tradição do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em financiar projetos de infraestrutura brasileiros e resistir em tempos de crise econômica tem sido alvo dos ataques do atual presidente da República e seus apoiadores, mas economistas que conhecem de perto a estrutura do banco, incluindo seus ex-presidentes, vêm reiteradamente atestando a lisura e a transparência das operações da instituição.
A mais recente defesa veio nessa quarta-feira (26) do ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy, durante depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do BNDES na Câmara dos deputados. A CPI investiga supostas práticas ilegais do banco, numa ofensiva que tenta criminalizar financiamento de empresas brasileiras para realização de obras de infraestrutura em países como Equador, Moçambique, Venezuela, Angola e Cuba, nos governos Lula e Dilma.
Levy foi chamado na condição de ex-presidente do banco, posto que ocupou do início do governo Bolsonaro até a semana passada, quando pediu demissão, devido às manifestações públicas do presidente de que estava insatisfeito com seu desempenho.
Na Câmara, Levy falou sobre as operações, as regras de transparência do banco, a política de desenvolvimento dos governos anteriores e a posição do corpo técnico sobre os empréstimos. Ele evitou atrito com o atual governo sobre o motivo da sua demissão.
Em vários momentos do depoimento, Levy foi enfático ao afirmar que o BNDES atua dentro da legalidade e que todas as operações foram regulares e que a avaliação agora deveria ser sobre o impacto e a efetividade do dinheiro investido pelo país.
Acompanhado do seu advogado, André Carvalho Teixeira, Levy afirmou que não existe caixa-preta ou operações clandestinas e ilícitas no BNDES. O que há, segundo ele, são projetos em que a maior parte das garantias é focada na exportação de bens de serviços de engenharia e não em bens materiais, o que não caracteriza irregularidade ou põe em suspeita tais projetos.
“Não temos nada a esconder dentro do BNDES. Temos inúmeras comissões de atuação interna. Contratamos uma auditoria independente a pedido dos nossos auditores externos. É um banco que está se ajustando e com foco na infraestrutura, na pequena e média empresa e na inovação, e aberto em todas as suas instâncias de controle”, disse o ex-presidente do banco.
Sobre sua saída do governo, Levy foi cauteloso e evitou dar detalhes e criar atritos, apesar da insistência dos deputados. “Não sei se é construtivo explorar isso”, repetiu algumas vezes antes de desviar para outros assuntos. O pedido de demissão ocorreu alguns dias depois de Bolsonaro ter dito que Levy não tinha sido leal e que estava com a cabeça à prêmio "há algum tempo".
Caça às bruxas
O economista Luciano Coutinho, presidente o BNDES entre maio de 2007 e maio de 2016, afirmou ao Brasil de Fato que o banco sempre teve suas operações avaliadas por órgãos de controle como o Tribunal de Contas da União (TCU) e os dados dos empréstimos sempre foram transparentes.
“Não existe motivo para caça às bruxas. Essa é uma colocação equivocada. É um banco com dados abertos como poucas instituições são. As operações são acompanhadas por um quadro técnico-profissional muito qualificado, onde não há interferência de preferência política para qualquer lado”, disse Coutinho.
O mesmo não se poderia dizer em relação às mudanças na estratégia de atuação do BNDES, segundo Paulo Nogueira Batista, ex-vice-presidente do banco dos Brics (grupo de cooperação formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Ele lembra que no atual governo houve uma clara inclinação para uma gestão mais liberal.
“O Levy já foi uma nomeação duvidosa, porque ele tem pouco ou nada a ver com o desenvolvimento. Ele é um economista liberal, formado em Chicago, com uma tendência fiscalistas. Ele entende de cortes. Não entende de desenvolvimento através de bancos públicos”, afirmou.
Para Nogueira, o caminho a seguir no sentido de sair da crise é a reativação da economia, que está deprimida, por meio dos bancos públicos como a Caixa, o Banco do Brasil e o próprio BNDES. No entanto, o governo toma o rumo oposto e está cerceando a atuação desses bancos limitando os empréstimos.
Edição: João Paulo Soares