A Violência contra a mulher tem raízes sócio-históricas e culturais. Não à toa que a maioria dos casos de violência não são denunciados e, quando o são, passam por um processo de descrédito generalizado, em que a fala da mulher, por vezes não tem valor, sendo em razão disso, revitimizadas, culpabilizadas pela violência sofrida.
Se dermos uma olhada no retrovisor da história, talvez possamos entender um pouco do porquê de ainda termos dificuldades na legitimação de nossas falas: Até a vigência do estatuto da mulher casada, datado de 1962, nós, mulheres, éramos relativamente incapazes para os atos da vida civil, equiparadas aos menores de idade e/ou a pessoas com deficiência intelectual, sendo por nós responsáveis, nossos pais e/ou irmãos mais velhos até a constância do casamento em que tal responsabilidade seria passada à pessoa de nossos maridos.
Somente em 1977, com a lei do divórcio, foi que se previu, pela primeira vez, a dissolução do matrimônio – que antes ocorria apenas após a morte de um dos cônjuges. No que se refere à honra, a mulher, tratada como objeto, não era detentora de direitos, muito menos de escolhas, sendo a honra, portanto, atributo masculino que em nome dela, inclusive, poderia matar sua companheira com a desculpa de “legítima defesa da honra”, tendo prevalecido tal ideia até o final dos anos 80 e início dos anos 90.
Pois bem, mesmo com os avanços na luta por direitos à igualdade de gênero, ainda convivemos fortemente com a dominação masculina que povoa o imaginário social atual e dita as regras morais de convivência, perpetradas pelas instituições formadoras de opinião, seja a família, o Estado ou a sociedade. Assim, independente de culpado ou inocente (não nos cabe julgar), o caso Neymar/Najila nos remete à dura reflexão sobre o longo caminho a ser percorrido por nós mulheres até que o nosso NÃO seja respeitado e qualquer coisa após ele seja entendida enquanto violação/abuso.
Que a nossa liberdade sexual não deva servir de parâmetro para pré-julgamentos e linchamentos pessoais e/ou virtuais e que as intimidades compartilhadas não devam ser objetos de vingança e manipulação de nossa imagem que, inclusive, se equipara ao crime previsto no artigo 218 C do Código Penal. Não nos esqueçamos do caso de Mc Reaça que após descobrir que a mulher com quem mantinha um relacionamento extraconjugal estava grávida, a espancou e em seguida cometeu suicídio, merecendo homenagem post mortem da maior autoridade do país, que também se manifestou a respeito do caso de Neymar, cujas investigações ainda estão em curso.
*Vani Fragosa é advogada e assistente social.
Edição: Marcos Barbosa