Em 2017, o índice nacional de homicídios atingiu o maior nível histórico em um ano: 65.602 mortes violentas. Isso quer dizer que 31,6 pessoas foram assassinadas por cem mil habitantes no ano, de acordo com o Atlas da Violência 2019, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), e lançado nesta quarta-feira (5) no Rio de Janeiro.
O documento elaborado com base nos dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS), chama atenção para o principal grupo vitimado no país: homens entre 15 e 19 anos. A mortalidade de jovens tem crescido no Brasil desde a década de 1980 e essa faixa etária equivale, em 2017, a 59,1% do total de óbitos causados por homicídio.
Na última década, o país experimentou aumento de 38,3% na taxa de assassinato de homens entre 15 e 29 anos, chegando ao recorde no índice da chamada juventude perdida. Se o quadro no país já é alarmante, o Rio de Janeiro e outros 14 estados amargam taxas acima da média nacional - de 130,4 por cem mil habitantes. Dos 35.783 jovens mortos no Brasil em 2017, 3.439 eram do estado do Rio. A pesquisa também considera mortes por intervenção policial.
Nesse contexto, para cada pessoa branca que sofreu um homicídio em 2017, cerca de três pessoas negras foram mortas. O Atlas deste ano constata mais uma vez o aprofundamento da mortalidade entre a população negra, sendo 75% das vítimas de homicídio não brancas naquele ano.
"Nós temos duas grandes grandes dinâmicas letais, uma tem a ver com o crime e outro com minorias. Um crescimento na desigualdade de letalidade no Brasil por raça, se é verdade que os negros morrem mais que os não negros, essa diferença tem aumentado ainda mais nos últimos anos. A questão do racismo precisa ser encarada de frente na sociedade brasileira", diz Daniel Cerqueira, pesquisador e coordenador do Atlas da Violência.
Violência contra mulher
Segundo o Ipea, 13 mulheres foram assassinadas por dia no Brasil em 2017. Ao todo, o país registrou 4.936 casos de homicídios de mulheres, sendo o maior número registrado na última década, com aumento de 6,3% em relação ao ano anterior. Os dados da violência contra mulher também são um retrato da desigualdade racial no Brasil. Do total de assassinatos em 2017, 3.288 eram mulheres negras.
Enquanto o número de homicídio de mulheres não negras teve variação pouco expressiva (1,7%) nos últimas dez anos, entre as mulheres negras o crescimento chega a 60,5%.
Do total de homicídios cometidos contra a mulher, 28,5% aconteceram dentro de casa, com destaque para o aumento de 29,8% dos casos nesse ambiente com uso de armas de fogo na última década, com uma guinada a partir de 2015. Realidade que ganhou maior visibilidade com o decreto do governo Bolsonaro de flexibilização da posse de armas de fogo no Brasil.
"Feminicídios que decorrem da violência doméstica não ocorrem do dia para a noite. Essa mulher já é vítima de outros tipos de violência no seu cotidiano. No momento que uma arma de fogo entra em casa, podemos antecipar determinados processos pensando nessa violência doméstica", afirma Samira Bueno, diretora-executiva do FBSB.
Armas de fogo
Dos homicídios por armas de fogo, 76,9% das vítimas eram homens e 53,8%, mulheres. Dos mais de 65 mil assassinatos em 2017, 72% foram cometidos com armas de fogo.
"Nos últimos anos houve até uma diminuição dos homicídios de mulheres fora das residências. Mas dentro de casa aumentou bastante, e mais ainda aqueles dentro de casa por arma de fogo. A literatura internacional mostra que uma arma dentro faz aumentar de cinco a 10 vezes a chance de alguém morrer por esse uso dentro de casa. Aumenta chance de feminicídio, acidentes fatais envolvendo crianças, suicídio", acrescenta Cerqueira.
Segundo o Atlas, o Estatuto do Desarmamento ajudou a salvar vidas a partir de 2003. Uma média projetada dos homicídios 14 anos antes do estatuto apontava um crescimento de 5,44% ao ano. Por outro lado, a média no mesmo período após o estatuto foi de 0,85%. As consequências de uma flexibilização, segundo Cerqueira, serão de longo prazo.
"Olhamos com bastante preocupação o decreto sobre armas porque existe uma evidência científica dura internacional a esse respeito. Uma política que facilite a difusão de armas de fogo vai ter efeitos durante muitos anos. Uma arma em circulação pode ficar até 50 anos no mercado", analisa Cerqueira. "Muitos homicídios que a gente ainda observa no Brasil são armas compradas na década de 1980".
Homofobia
Uma sessão inédita do Atlas é dedicada para abordar a violência contra a população LGBTI+ no Brasil. Cerqueira afirma que a inexistência de dados do próprio IBGE sobre o tamanho desse grupo dificulta a dimensão do problema.
Com dados do Disque 100 e do Sistema de informação de Agravos de Notificação (Sinan), a pesquisa aponta que a maior parcela dos agressores eram homens e a maioria das vítimas mulheres lésbicas (49,5%) e bissexuais (6,7%). Em 2017, houve ainda um salto nos homicídios contra a população LBGTI+ por meio do Disque 100, com 173 assassinatos e 26 tentativas.
O Atlas da Violência 2019 fica disponível no site do Ipea e os dados serão atualizados ao longo do ano. Um segundo estudo será lançado nas próximas semanas com objetivo de aprofundar a pesquisa sobre violência letal nos municípios brasileiros.
Edição: Mariana Pitasse