O Instituto Tricontinental de Pesquisa Social publicou nesta terça-feira (4) o dossiê “Venezuela e as guerras híbridas na América Latina”, que mostra como técnicas para desestabilizar o país caribenho e provocar uma alternância de poder foram colocadas em prática pelos Estados Unidos.
O conceito foi proposto pelo jornalista russo Andrew Korybko, que, em seu livro Guerras Híbridas (Expressão Popular, R$ 25,00), analisou, entre outras coisas, o modus operandi norte-americano para influenciar a derrubada, em 2014, do então presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovych.
A tática consiste em provocar a queda de governos não por métodos tradicionais, como o conflito bélico, mas por meio da aplicação de sanções e bloqueio de remessas de dinheiro ou produtos. O método visa deteriorar a economia de um país, gerando insatisfação social e uma troca de regime.
Segundo o dossiê, ataques como esse são usados como uma alternativa às intervenções militares diretas, que sempre geram maior repercussão e não são bem vistas a nível mundial.
As guerras híbridas “requerem a criação de condições propícias, assim como a construção de cenários que validem tal intervenção. Para isso, além da guerra econômico-financeira, [...], são imprescindíveis a guerra psicológica, cultural e de comunicação, com o objetivo de criminalizar o governo popular por meio da manipulação de narrativas”, afirma o documento.
Venezuela
O estudo aponta a prevalência de guerras híbridas em territórios ricos em petróleo, como a Venezuela, que desde 2015 sofre com a intensificação das pressões norte-americanas, que tem como objetivo a destituição de Nicolás Maduro.
Segundo o dossiê, a tentativa de intervenção dos EUA na nação latina ocorre em decorrência da crise hegemônica pela qual passa Washington, que vê sua dominação abalada pelo crescimento econômico de países como China e Rússia.
“A região da América Latina e Caribe, considerada pela geopolítica estadunidense como seu ‘pátio traseiro’, sua ‘zona natural de influência’, rica em bens comuns naturais, ocupa um lugar central nessas disputas. Vale recordar o peso que tem as importações estadunidenses de certos minerais extraídos na América Latina e Caribe”, aponta o documento.
No caso da Venezuela, o estudo acentua a aplicação de uma série de sanções norte-americanas colocadas em vigor tanto na administração de Barack Obama, quanto na do atual mandatário, Donald Trump. As medidas impactaram diretamente nas exportações do petróleo venezuelano, além de reter fundos do país caribenho em bancos estrangeiros.
Segundo um relatório do Centro Estratégico Latino-Americano de Geopolítica (CELAG), publicado em fevereiro de 2019, os bloqueios afetaram principalmente a população venezuelana. O estudo mostra, entre outras coisas, que as sanções causaram a perda de 3 milhões de empregos entre 2013 e 2017. O número equivale a 24% da população ativa do país.
O país também passou por um bloqueio que inclui remessas de medicamentos para diálise, vacinas, insumos para o tratamento de malária e diabetes, além de alimentos. Os produtos já haviam sido pagos pelo governo venezuelano.
Segundo o dossiê do tricontinental, medidas como essa visam “explorar as debilidades e limites políticos, militares e econômicos dos governos considerados hostis, apoiando e fomentando, ao mesmo tempo, as forças de oposição”.
“Ajuda humanitária” e mídias sociais
Outra forma de tentar desestabilizar o governo de Maduro ocorreu em fevereiro deste ano, quando os Estados Unidos tentaram forçar o ingresso de uma suposta ajuda humanitária na Venezuela.
O dossiê aponta que “as operações massivas de ajuda humanitária, organizadas e executadas pelos Estados Unidos ou União Europeia, constituem uma das formas mais sofisticadas e eficazes de penetração imperial nas nações do sul global, cobertas com uma aura de legitimidade que é tão difícil quanto urgente desmantelar”.
O documento ressalta ainda o papel das mídias sociais para veiculação de notícias parcialmente corretas ou totalmente incorretas para gerar a desestabilização de governos.
“A dominação no terreno econômico, comercial, diplomático e militar não é suficiente, é necessário considerar a intervenção na complexa organização da vida e, portanto, buscar controlar as emoções e as reações das pessoas. A própria produção de subjetividade se converte em alvo de guerra”, afirma.
Edição: Aline Carrijo