A onda de violência no município de Angra dos Reis, no sul do estado do Rio de Janeiro, atingiu patamares preocupantes em 2018. Dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) indicam que no ano passado a cidade teve 132 mortes em decorrência de homicídio doloso, ou seja, com intenção de matar. Um crescimento de 51% se comparado com os números de 2017. O município tomou conta dos holofotes nas últimas semanas, após circular nas redes vídeos que mostram ação policial em comunidades da cidade com helicópteros e com a participação do governador Wilson Witzel (PSC).
Marcelo Santos é nascido em Ilha Grande, um dos principais destinos turísticos do estado do Rio pertencente ao município de Angra. Aos 56 anos, sendo 22 deles residindo na cidade, Santos afirma que a violência mudou a rotina dos moradores e também causou prejuízo para a economia local.
“Há uns anos falávamos de violência, de tráfico, mas não achávamos que isso faria parte do nosso cotidiano, ou seja, troca de tiros, briga de facção, isso acabou chegando em Angra, coisa que não imaginávamos que chegaria. Hoje eu trabalho fazendo freelancer no mercado imobiliário e essa questão da violência deu um impacto muito grande na economia do nosso município”, explica.
Milícia
A disputa territorial por facções criminosas é apontada como um dos principais motivos para o aumento da letalidade no município. André Rodrigues é pesquisador de segurança pública e atua como professor do Instituto de Educação de Angra dos Reis da Universidade Federal Fluminense (UFF). Segundo ele, o que acontece em Angra é a expansão de um modelo de negócio capitaneado pela milícia que está em busca de território no estado do Rio.
“O que temos observado em Angra é que não acontece só uma migração do tráfico para lá. Há uma expansão de um modelo de negócio que se generalizou no Rio de Janeiro que é o controle territorial que envolve uma disputa pela operação do tráfico, mas que tem um operador muito importante que não podemos perder de vista que são as milícias. O que observamos em Angra é que temos também forte presença miliciana e trabalhamos com a hipótese de que as milícias sejam uma agenciadora dos conflitos violentos”, comenta Rodrigues.
Espetáculo
No início do mês, a cidade foi palco de uma operação com agentes da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) para o reconhecimento de áreas em comunidades dominadas por organizações criminosas. A ação contou com a participação do governador Wilson Witzel (PSC) e do prefeito de Angra Fernando Jordão (MDB). Nas redes o governador disse que a operação era para “acabar de vez com essa bandidagem”.
Contudo, o helicóptero em que Witzel estava quase promoveu uma tragédia na região. Uma rajada disparada da aeronave da Polícia Civil perfurou uma lona azul estendida numa trilha do Monte do Campo Belo, no entorno da comunidade Areal. A tenda é um ponto de oração para evangélicos e foi confundida como um esconderijo de criminosos.
O episódio envolvendo o governador gerou uma denúncia da deputada estadual Renata Souza (Psol) à Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA) por conta da política de segurança pública adotada pelo governo do estado - que já deixou um saldo de 434 pessoas mortas pela força policial de janeiro a março deste ano.
Eleições
Witzel teve uma votação expressiva no município de Angra dos Reis. Ao todo, o governador registrou 75,65% dos votos na cidade. Para o cientista político, o espetáculo promovido por Witzel não foi apenas um ato “eleitoreiro”. Segundo Rodrigues, as operações que têm ocorrido na cidade estão reconfigurando o controle territorial da região.
“É muito estranho e irresponsável que o governador lance uma política que vai gerar uma reconfiguração do controle territorial armada em determinados territórios em benefício de determinadas organizações. Sabemos que agir do jeito que ele age não resolve o problema da criminalidade em Angra dos Reis. É uma imensa irresponsabilidade porque essa atuação sem inteligência de maneira descoordenada gera, no mínimo, a possibilidade de que um grupo que controle determinada área seja fragilizado pra que outros grupos possam controlar esse território e abrir a porta para o loteamento político”, ressalta.
Edição: Mariana Pitasse