Contrariando as ameaças dos Estados Unidos (EUA), o Irã anunciou nesta segunda-feira (20) que multiplicará por quatro a taxa de urânio enriquecido para a geração de energia. Dentro de algumas semanas, o país deverá ampliar em 20% o nível de enriquecimento do material e ultrapassar o limite de 300 quilos, indo além do que foi estipulado no acordo nuclear de 2015, mas permanecendo longe dos 90% necessários para fabricar uma bomba.
Teerã já havia anunciado há duas semanas que suspenderia parte dos compromissos pactuados. A medida, somada ao restabelecimento de sanções dos EUA contra o país e às ameaças de uma ação militar norte-americana, elevou a tensão entre as nações a seu nível mais alto desde que Donald Trump comunicou, em maio de 2018, a saída dos Estados Unidos do acordo nuclear.
Promessa de campanha do mandatário dos EUA, o rompimento unilateral -- que é criticado pelos demais signatários do pacto -- foi o primeiro passo para uma série de imposições econômicas, políticas e ameaças que já demonstram efeitos práticos no Irã.
Segundo o Banco Central iraniano, o PIB do país, que estava em uma crescente desde que a administração de Barack Obama retirou parte das penalidades, encolheu 3,9% em 2018 e deverá diminuir 6% em 2019. Ainda assim, Washington anunciou, no fim de abril, a extensão das sanções ao petróleo iraniano a todos os clientes que restavam no país, elevando ao máximo a pressão contra Teerã.
O governo iraniano, no entanto, dá sinais de que não pretende recuar frente à pressões dos EUA. O presidente do país, Hassan Rohani, afirmou nesta terça-feira (21) que não deseja dialogar com Washington e que “a única saída” neste momento é resistir às sanções.
“Fim oficial do Irã”
Para além da investida contra a economia iraniana, os Estados Unidos passaram a fazer declarações -- muitas vezes de forma descompassada -- em que consideram uma alternativa militar para a região.
No início do mês, o país anunciou o envio de um porta-aviões e uma unidade de bombardeios ao Oriente Médio em resposta a uma ameaça iraniana supostamente identificada por centros de inteligência norte-americanos. Nas últimas semanas, novos deslocamentos e ao menos uma manobra naval foram feitas nas proximidades da república islâmica.
Sem fornecer detalhes, Washington afirma ter motivos para acreditar que Teerã planeja investir contra instalações diplomáticas dos EUA em Bagdá e Erbil, no Iraque. O alegado risco de ataque levou o país a retirar a maior parte de seu corpo diplomático da região.
A escalada nas tensões gerou uma série de ameaças e acusações mútuas, o que levou Trump a dizer no último domingo (19) que “se o Irã quiser brigar, será o fim oficial do Irã”.
Contradições
A declaração de Trump entra em contradição com suas falas anteriores. Nas últimas semanas, o mandatário defendeu publicamente o diálogo entre as partes para estabelecer um novo acordo nuclear. Segundo matéria do New York Times, as divergências entre Trump e o conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, estão gerando atritos no interior da administração republicana.
Bolton, desde antes de chegar à Casa Branca, já defendia a aceleração de um confronto militar e uma mudança de regime no Irã. O país chegou a apresentar um plano que previa o envio de até 120 mil soldados ao Oriente Médio. Trump, no entanto, e tendo em vista o desgaste causado pela guerra do Iraque, fez sua campanha eleitoral se comprometendo com o diálogo como principal alternativa.
Segundo Salem Nasser, professor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV), “existem sinais muito contraditórios, ao estilo de Trump. Ao mesmo tempo em que sinaliza uma escalada [nos confrontos], anuncia que não quer guerra e que está esperando os iranianos dialogarem. Você nunca sabe qual a verdadeira intenção”.
Para ele, os EUA “estavam confiantes de que as pressões econômicas sobre os iranianos iriam funcionar e que eles cederiam rapidamente. Hoje, podem até continuar achando que a pressão vai funcionar, mas não está evidente que esse seja o caso”. Por isso, segundo Nasser, “você tem movimentos de ameaça [militar] para aumentar essa pressão e ver se algum resultado sai disso”. O professor diz, no entanto, que não acredita que vá ocorrer um enfrentamento militar.
Especialistas dizem que um conflito de grandes proporções na região teria consequências catastróficas, inclusive maiores que as ocasionadas pela guerra do Iraque. Um enfrentamento também afetaria a economia em nível global. O Estreito de Ormuz, que fica nas cercanias do Irã, é rota de aproximadamente um quinto de todo o petróleo do mundo.
Para Nasser, embora, aparentemente, existam divergências no interior da administração dos EUA sobre qual seria a melhor maneira de lidar com os embates entre o país e o Irã, tanto Bolton quanto Trump gostariam de uma mudança de regime no Irã.
Segundo ele, Bolton “certamente é alguém que está muito mais alinhado com uma expectativa de que ações armadas podem funcionar. Ele está talvez mais alinhado com o que os israelenses e sauditas desejariam”.
Trump, no entanto, “adoraria o regime change. Só que ele veio com o discurso -- desde antes de ser eleito -- de redução das campanhas militares. Então, ele, como um ‘homem de negócios’, acha que é colocando pressão e depois conseguindo um acordo mais favorável que você mostra serviço”.
Nasser considera que a questão não é "que um queira o regime change e outro não. A questão é qual caminho deve ser trilhado para isso. Provavelmente os militares devem estar dando vários avisos de que talvez não funcione como Bolton imagina".
Acordo nuclear iraniano
Em vigor desde julho de 2015, o acordo nuclear iraniano foi assinado pelo chamado grupo 5+1 (EUA, Rússia, Reino Unido, França, China e Alemanha). O pacto tem como objetivo limitar o programa nuclear do Irã. Em troca, os países retiraram as sanções impostas ao país, que atingiam os setores de finanças, comércio e energia. Além disso, bilhões de dólares e de bens congelados foram liberados com o fim das imposições.
Após a saída dos EUA do pacto, Washington restabeleceu as sanções contra o Irã, contrariando os demais signatários, que afirmam que Teerã sempre respeitou os compromissos do acordo.
“O mundo inteiro está reconhecendo que o Irã cumpriu fielmente o que foi acordado no pacto de 2015. As agências de inspeção confirmam isso, os europeus, os chineses. Foram os norte-americanos que saíram do consenso”, diz Nasser.
Para o professor, a própria ideia de que o projeto nuclear iraniano é uma ameaça ao mundo merece ponderações.
“Os iranianos sempre disseram que queriam dominar a tecnologia para outros fins, que não o de fazer bombas. Os EUA, Israel e o ocidente generalizam a ideia de que não. De que havia o risco de que o Irã buscasse armas nucleares e que deveria ser parado. Isso durou até o acordo 2015, que pareceu satisfatório para todo mundo”.
Edição: Aline Carrijo