O professor e médico Henry de Holanda Campos é reitor da Universidade Federal do Ceará (UFC). Na Universidade, foi diretor da Faculdade de Medicina, pró-reitor de Extensão e vice-reitor. Sua gestão à frente da reitoria vai até agosto. A UFC já passou pelo processo de consulta pública para escolha do novo reitor e, agora, segue seu processo interno. A questão em torno do respeito à autonomia universitária pelo governo federal também é um dos temas da entrevista.
Confira na íntegra as respostas do reitor:
A Universidade Federal do Ceará
"Para entendermos a dimensão do bloqueio e como ele afeta a Universidade é preciso dar alguns indicadores da Universidade que as pessoas não conhecem. A UFC é hoje a 10ª maior e melhor universidade do país. É a universidade líder no Norte e Nordeste, isso é uma posição consolidada porque vários rankings vêm mostrando essa liderança nos últimos dois anos, seja em produção científica ou em conceitos de cursos de graduação e pós-graduação. Nós ofertamos 118 cursos de graduação e 116 cursos de pós-graduação. Poucas universidades no mundo têm esse portfólio. Somando todos os tipos de curso e modalidades, a UFC tem mais de 43 mil alunos. São sete campi, em cinco municípios diferentes com 692 edificações.
Além disso temos muitos equipamentos que servem à comunidade, nosso museu, nossa rádio, o teatro universitário, a Concha acústica, a Casa José de Alencar, temos quatro fazendas, nosso complexo de saúde que presta vários serviços, entre outros. Só no hospital são milhares de internações por ano, cerca de 200 mil consultas por ano. Tudo isso é atendimento à população de baixa renda pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A UFC é uma universidade que tem um compromisso social muito forte e cada vez mais estamos presentes nas comunidades com alunos, professores, servidores técnicos-administrativos. Temos parcerias fortes com o Governo do estado do Ceará e com a Prefeitura de Fortaleza.
Estamos presentes em todos os 184 municípios através de 1250 ações de extensão que beneficiam mais de quatro milhões de cearenses. Essa, em resumo, é a Universidade Federal do Ceará, estamos muito bem situados no conjunto das universidades brasileiras e eu não faço a defesa só da UFC, faço a defesa de todas elas, porque cada uma delas é importante no seu local. Esse conjunto de universidades é responsável por 95% da produção científica brasileira".
Cortes
"Sem nenhum anúncio, todos nós fomos surpreendidos no dia 30 de abril exatamente, quando constatamos nos nossos sistemas uma diminuição dos recursos disponíveis que, no caso da UFC, foi de 43 milhões para custeio e cerca de um milhão de investimento. Lembrando que o investimento nosso já chegou a ser de mais de 70 milhões. Desde 2014 já vinha acontecendo uma redução gradativa. Hoje nós temos obras paradas, campus do interior para concluir. É um contingenciamento que nos afeta muito, embora o mais grave seja mesmo o contingenciamento no orçamento de custeio, porque é o custeio que paga aquelas despesas correntes, os chamados contratos contínuos que nós não podemos interromper porque são serviços que a universidade presta e esses contratos somam 119 milhões. Isso corresponde a água, luz, transporte, alimentação para os nossos refeitórios universitários, segurança, limpeza, enfim, todo tipo de serviço necessário para manter essa máquina funcionando é o orçamento de custeio, então isso pesa muito e, literalmente, inviabiliza o orçamento da universidade.
A nossa situação hoje é que já começamos a desempenhar recursos que eram para pagar determinados contratos para retirar e pagar outros. Essa situação só nos garante até meados de junho. Acho muito difícil que a gente possa não ter que fazer paralisações, se a gente não tiver crédito orçamentário até lá. Se é contingenciamento vamos repor essas verbas, nós não podemos esperar votação de reforma da Previdência e nem condicionar isso a reforma da Previdência, isso é uma maldade com as Universidades, isso é uma falta de respeito a todo esse trabalho que é feito e a toda essa geração que se encontra em formação, aos professores, aos pesquisadores, a todo o serviço que é prestado. Isso representa um absoluto descompromisso com tudo isso que está aí e é inaceitável. Espero que a sociedade conhecendo melhor as universidades que ela se mobilize também.
Nós somos hoje uma universidade profundamente transformada. Quando nós aderimos ao sistema do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a universidade se democratizou porque começamos a receber alunos do interior, [...] eles não acreditavam que a universidade fosse para eles e aí vem o Enem e a UFC adere com 100% das vagas ao sistema e começa a haver a entrada dos alunos de escolas públicas. Depois, vêm as cotas, reservando vagas para negros, pardos, indígenas, quilombolas, deficientes. Hoje o nosso público é de mais 50% oriundo de escola pública e eu diria que pelo menos 30% de famílias com renda inferior a três salários mínimos, então é uma universidade realmente diferente daquela universidade elitizada de 10 anos atrás. Para mim isso reforça a importância da universidade como elemento de transformação e ascensão social, porque muitos desses alunos são os primeiros de suas famílias a terem acesso ao ensino superior e isso é extremamente importante e transformador para a vida dessas pessoas".
Ciências Humanas
"A formação com base em ciências humanas é imprescindível seja qual for a área profissional para formar a consciência cidadã e para que você conheça a história. O ataque às ciências humanas também é absurdo e inaceitável, principalmente quando isso vem revestido do seguinte: “o Nordeste é que não precisa mesmo desses cursos”, quer dizer nós vamos ficar condenados à enxada? Não, não vamos. Essa é mais uma frente de lutas.
Tem várias outras coisas acontecendo que precisamos nos atentar como a extinção de um programa chamado Idiomas sem Fronteiras, por exemplo que muitas vezes é a porta de entrada para que os alunos possam fazer um curso no exterior. Isso me faz lembrar de um outro grande serviço prestado pela universidade que são as Casas de Cultura que é o maior equipamento dessa natureza entre todas as universidades do Brasil. São seis Casas de Cultura com quase quatro mil alunos e que oferecem cursos não só para os nossos alunos como para a comunidade toda e esse ano começaram a ser ofertados cursos em áreas específicas como por exemplo inglês para medicina e alemão para engenharia, isso na graduação, então isso vai facilitar muito a tornar a universidade ainda mais internacional.
Claramente, vemos que por trás desses ataques há uma intencionalidade de se bloquear um local onde se formam consciências e se fica criando uma falsa ideia de que há uma doutrinação marxista nas universidades, isso é totalmente falso. Quem está na universidade está trabalhando, produzindo e tentando construir uma sociedade melhor".
Autonomia Universitária
"Nós acabamos de passar pelo nosso processo de consulta, essa é uma fase, a segunda é o Conselho Universitário formar a lista tríplice e dentro do que está anunciado é prerrogativa do Presidente da República escolher aquele da lista que ele achar mais competente ou mais conveniente para dirigir a universidade. Isso fere toda uma tradição, porque nós sempre fizemos os nossos processos de escolha e encaminhávamos para o MEC o nome daquele que tinha sido o mais votado no processo de consulta. E de uma maneira geral, isso sempre foi respeitado. Então são regras novas que estão postas e que já tem sido aplicada, não sem a indignação da comunidade. Isso pode ferir sim a autonomia universitária".
Balanço de Gestão
"Acho que é mais fácil você administrar quando tem recurso, nossa gestão se deu justamente no período de escassez de recursos e mesmo assim a universidade continuou se expandindo e crescendo com qualidade, nunca foi tão bem avaliada em sua história. Acho também que nós modificamos profundamente os processos de trabalho na universidade, utilizando sistemas informatizados e aprimoramos comunicação. Criamos uma política de inovação tecnológica, focamos muito na internacionalização, ampliando nossos convênios internacionais, constituímos comissão de direitos humanos. Eu diria que a UFC é hoje uma universidade bem mais contemporânea. Obviamente isso não é mérito só dessa gestão, a universidade vai ser sempre uma obra inacabada, mas certamente a gente pode dar uma contribuição muito substancial.
Uma coisa que me alegra muito é ter ampliado a assistência estudantil, ampliando significativamente o número de bolsas. Nós ampliamos o fornecimento de refeições, o auxílio-moradia. Hoje a UFC oferece 7200 bolsas por ano. Nós gastamos 30 milhões de reais por ano em bolsas de estudo. Houve um enriquecimento nessa área de cultura e artes, nós não dispúnhamos de cursos como arte, cinema, dança e agora temos.
Acredito ainda que o ponto mais forte da gestão, pelo menos o que eu valorizo como uma conquista maior é essa inserção na comunidade o que propicia os estudantes terem cada vez mais outros ambientes de aprendizagem que não só a sala de aula e há um sentimento maior de pertença a universidade, nós não conseguiríamos todos esses avanços se não houvesse o comprometimento dos nossos professores, dos servidores técnicos-administrativos e obviamente também dos nossos estudantes que são a nossa maior razão de existir como instituição".
Edição: Marcos Barbosa