Abraham Weintraub ergueu contra si a maior manifestação popular dos últimos anos
Astrólogo, autodidata, ultradireitista, controverso e com pinta de maluco mas dono de forte influência sobre a presidência do país. Olavo de Carvalho? Não necessariamente.
José López Rega (1916-1989) foi um dos responsáveis pelo desastre do governo argentino nos anos 1970, abrindo caminho para a ditadura militar. A exemplo de Olavo, López Rega também era um tipo que ninguém levava a sério até que alguém resolveu levá-lo. Esse alguém era Isabelita Perón, ex-dançarina de cabaré, depois presidente da Argentina entre 1974 e 1976. Uma escolha fatal.
Ex-cabo da polícia federal, El Brujo, o Bruxo, como viria a ser chamado, era um nada antes de sua aproximação do casal Juan e Isabelita Perón. Em 1962, lançara um livro editado por ele mesmo e que ninguém lera: Astrologia Esotérica. Com 758 páginas, o calhamaço sustenta uma teoria onde se unem política, zodíaco, música, dança, cores, coreografia, odores e geometria...
Maçon, López Rega também encarnou o “Irmão Daniel”, um dos iniciados da seita Anäel, que mesclava elementos da ordem Rosacruz, com umbanda e pitadas da sociedade Thule. Na Alemanha, a Thule chegara a atrair Adolf Hitler e outros figurões do nazismo nascente.
El Brujo conquistou as graças de Isabelita em 1965 ao encontrá-la num congresso de esoterismo. Impressionada pelo charlatão, a terceira mulher de Perón decidiu carregá-lo para Madri onde o ex-presidente estava exilado. Tornou-o secretário particular. No retorno triunfal do caudilho à Buenos Aires, o Bruxo de Isabelita saltou da condição de ex-cabo para a de ministro do Bem Estar Social. No poder, articulou a Aliança Anticomunista Argentina (Triple A), corpo paramilitar clandestino e ilegal empregado na caça sem trégua à esquerda peronista, sobretudo a guerrilha dos Montoneros.
Com explosão de bombas, sequestros e assassinatos, a Triple A semeou o terror no país. Em 1974, a milícia divulgou uma lista negra anunciando aqueles que iria executar. Na relação, professores, sindicalistas, militares, guerrilheiros, políticos e jornalistas. Artistas também foram perseguidos, caso de Mercedez Sosa, ameaçada de morte caso não abandonasse o país.
Em 1974, no dia em que Perón morreu fulminado por um ataque cardíaco, López Rega afastou os médicos e tentou ressuscitá-lo, chacoalhando o cadáver e gritando “Acorda, meu faraó!”.
Com Perón enterrado e Isabelita sob seu controle, El Brujo ampliou ainda mais seus poderes. Mas durou apenas mais um ano. Em 1975, uma manobra econômica desastrada resultou em inflação súbita e elevada. Celestino Rodrigo, o ministro da Economia, era uma aposta do astrólogo. Deu-se então, o “Rodrigazo”, como ficou conhecida a crise. Com a violenta reação popular, López Rega fugiu para a Espanha. Descoberto, detido e extraditado em 1986, morreu na prisão três anos depois.
Como se percebe, Olavo e López Rega não são iguais. O brasileiro não chefia um esquadrão da morte, enquanto o verbo do argentino não está proibido para menores de idade. Ao contrário de Olavo, embora mandando e desmandando, Rega nunca teve “reguetes”. Porém, no que interessa, o talento para produzir o caos, são gêmeos univitelinos. Se Rodrigo foi uma invenção de López Rega, Olavo é o padrinho político de Abraham Weintraub que, com sua política de desprezo à educação, acaba de erguer contra si a maior manifestação popular dos últimos anos.
Olavo tem sido descrito como uma atualização escanhoada do monge russo Rasputin, cabendo a Bolsonaro o papel da czarina Alexandra. Mas talvez aqui perto, do outro lado da fronteira, exista uma melhor comparação.
Edição: Daniela Stefano