O Brasil levou mais de três décadas para concluir o processo de banimento do amianto, mineral que causa câncer. Após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2017, e um período de adaptação da indústria de exploração, as minas brasileiras de amianto pararam de extrair o mineral em 1º de fevereiro de 2019. No entanto, políticos de direita estão empenhados em derrubar a decisão do Supremo e reativar a indústria do amianto, principalmente, em Goiás.
Há duas semanas, uma comissão de senadores, entre eles o presidente do Senado, David Samuel Alcolumbre (DEM), foram com o governador Ronaldo Caiado (DEM-GO), líder ruralista e empresarial goiano, até a cidade de Minaçu (GO), a 504 km de Goiânia, no norte do Estado, para defender a volta da exploração do amianto.
O mote da caravana de parlamentares, segundo eles, era a preservação dos empregos, mas, na declaração feita para uma reportagem da TV Senado, Alcolumbre também mostrou que há interesse financeiro por trás da proposta.
“Não é possível que a frieza de uma linha de lei possa se sobrepor à vida das pessoas que trabalham, que tiram seu sustento com dignidade, nessa mineradora, fazendo com que riquezas sejam transferidas para este município, para o Estado de Goiás e para o Brasil”, disse o senador.
O esforço dos senadores e do governador goiano é para reverter a decisão do STF. A estratégia é tentar desconstruir as evidências médicas e científicas do risco de vida que o amianto representa.
Histórico
No Brasil, o alerta sobre os riscos do amianto são repetidos desde o início da década de 1990. Porém, em outros países, os estudos sobre o potencial cancerígeno são de 1955. A Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece o risco cancerígeno do amianto e recomenda o seu banimento.
“O amianto foi usado em mais de três mil tipos de produtos. Telhas, tubulações, divisórias, foros, pisos, revestimentos, caixas de água e outros materiais da construção civil. O segundo setor com bastante utilização foi a indústria automobilística, nas pastilhas de freio, discos de embreagens, revestimentos e juntas”, disse a auditora fiscal do trabalho Fernanda Giannasi, autora do recém-lançado livro A Eternidade - A construção social do banimento do amianto.
Conhecido como mineral mágico ou a seda mineral por conta da sua capacidade de isolamento térmico e maleabilidade, o amianto foi usado na indústria têxtil e em roupas especiais para bombeiros. Também foi usado em eletrodomésticos, como torradeiras e ferro de passar roupa. Há registros também da presença de amianto em brinquedos, filtros de cigarro e absorvente íntimo.
A nota técnica da Fundação Jorge Duprat e Figueiredo (Fundacentro), divulgada nesta semana por conta do risco da volta da exploração do amianto, destaca que 120 milhões de pessoas em todo planeta estão expostas a contaminação pelo amianto, que se dá pela inalação das fibras do mineral suspensas no ar, daí o nome "poeira da morte".
Segundo estimativas, essa exposição ocupacional (de quem trabalha diretamente com o mineral) ou ambiental (de quem vive próximo de produtos com amianto) mata 200 mil pessoas por ano. No Brasil, a população tem contato com cerca de 7 milhões de toneladas de amianto.
Efeito tardio
O tempo entre a contaminação e o agravamento da doença pode ser longo. Entre abril de 1973 e novembro de 1974, quando tinha 17 anos, Clever José Batista trabalhou cortava telhas de amianto das 7h às 16h, em Pedro Leopoldo, na região metropolitana de Belo Horizonte.
Há dois anos, ele faz tratamento de quimioterapia para um tipo de câncer no pulmão que é causado na contaminação com amianto.
“Era dia e noite a névoa. O pó do amianto ficava no ar. Era constante”, disse o paciente, cujo nível de evolução da doença está em 4 de 5, nível considerado gravíssimo.
As sessões de quimioterapia duram de três a cinco horas e, conforme o relato dele, são extenuantes. Cada ciclo do tratamento dura dois meses. Clever está no quinto ciclo.
Tira-dúvidas
Para esclarecer dúvidas recorrentes sobre o tema, o Brasil de Fato conversou com o médico Ubiratan de Paula Santos, da divisão de Pneumologia do Instituto do Coração (USP), um dos profissionais mais experientes no tratamento das doenças causadas pelo amianto. Confira abaixo os melhores momentos:
Brasil de Fato: Quais os tipos de câncer que o amianto pode provocar?
Ubiratan de Paula Santos: Pulmão, laringe, ovário, mesotelioma de pleura, de peritônio, de tunica vaginalis e de pericárdio. Provavelmente câncer de cólon e reto.
Tem uma doença que vai endurecendo o pulmão?
Causa fibrose pulmonar, conhecida como asbestose, que provoca insuficiência respiratória. A dor no tórax pode ser provocada pelo câncer mesotelioma e às vezes pelo câncer de pulmão. Os cânceres e a asbestose podem levar o paciente ao óbito.
A inalação de pequenas quantidades de fibras de amianto também pode causar a contaminação?
Sim, não existe limite de exposição seguro.
Há quanto tempo, no mundo, se sabe que o amianto provoca o câncer?
Há estudos consistentes desde 1955.
Quem trabalha ou trabalhou na extração ou produção de produtos com amianto teve chances maiores de contaminação?
O risco variou ao longo dos anos, conforme os trabalhadores foram pressionando por melhores condições de trabalho e foram sendo aprovadas leis mais protetivas. Os maiores riscos foram observados na indústria têxtil e aplicação de amianto na forma de spray para isolamento térmico. Mas mineração e fabricação de produtos também têm riscos.
A manipulação do pó de amianto em pequenas quantidades também pode causar câncer ou outra doença?
Sim. Não existe limite de exposição seguro.
Em média, quanto tempo depois da contaminação a doença se manifesta?
Depende da concentração de fibra inalada, quanto maior menor o tempo de surgimento da doença, mas em geral após 15 anos, variando de 10 a 50 anos.
No caso específico dos trabalhadores da Eternit em Osasco, a contaminação por causa do amianto foi comprovada?
Sim, vários estudos foram realizados comprovando. Eu mesmo tenho vários pacientes que faleceram de câncer de pulmão e de mesotelioma.
As telhas de amianto quando quebram pode causar soltar as fibras e contaminar o ambiente, mesmo se forem telhas muito antigas?
Telhas e caixas d’água, sim, se quebradas, se limpas, se perfurada pela fixação e mesmo pela ação das chuvas ao longo dos anos.
Seria importante fazer uma campanha nacional informando sobre o risco de ter produtos de amianto em casa?
Sim, mas devendo o poder público também oferecer orientações de como proceder caso as pessoas queiram retirar os produtos. E devem ser criados locais adequados e seguros para receber esses materiais.
Edição: Aline Carrijo