Crime Ambiental

Sociedade civil denuncia Vale na Comissão Interamericana de Direitos Humanos

Grupos apresentaram 13 medidas a serem tomadas pelo Estado brasileiro contra postura da mineradora em relação aos crimes

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Rompimento da barragem em Brumadinho matou o Rio Paraopeba e impactou comunidades e áreas de conservação
Rompimento da barragem em Brumadinho matou o Rio Paraopeba e impactou comunidades e áreas de conservação - Douglas Magno / AFP

Motivados pela ausência de respostas efetivas para os crimes praticados pela mineradora Vale, com o rompimento das barragens do Fundão, em Mariana (MG) e do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), membros da sociedade civil levaram denúncias para o 172º Período de Sessão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). A audiência aconteceu nesta quinta-feira (9), em Kingston, na Jamaica.

Os grupos ouvidos denunciaram a negligência do Estado brasileiro, a falta de medidas reparatórias efetivas e a ausência de punição dos crimes. Em Mariana, foram 19 mortos e, em Brumadinho, 238.

Apesar do lucro líquido de R$ 25,6 bilhões em 2018, a mineradora se comprometeu a pagar apenas R$ 998 para cada adulto de Brumadinho durante um ano, além de ainda não ter promovido um processo reparatório efetivo. Até hoje, nenhuma casa foi construída.

Outra denúncia presente foi a de conivência do Estado brasileiro com as práticas da empresa.

“Essa relação íntima é responsável por inúmeras violações contra trabalhadores, comunidades e meio ambiente”, apontou a representante da Justiça Global durante a sessão. De acordo com ela, isenções tributárias, royalties baixos e Estado como acionista são alguns dos privilégios que a Vale dispõe.

A fiscalização das barragens, bem como as medidas de reparação, ficaram nas mãos da própria mineradora, o que mostra uma falha do Estado. Essa situação deve se intensificar a partir da política encabeçada pela pasta do Meio Ambiente no governo de Jair Bolsonaro, que vem promovendo o desmonte de estruturas de fiscalização e proteção ambientais e trabalhistas.

Nesse sentido, foram apresentadas durante a audiência 13 medidas a serem tomadas pelo Estado contra a postura da mineradora diante dos crimes. São elas:

1 - Que o Estado brasileiro informe o número de barragens instáveis e o dano estimado caso haja o rompimento;

2 - Reversão da tendência de enfraquecimento da legislação trabalhista e ambiental;

3 - Interrompimento do desmonte das estruturas de fiscalização e proteção dos trabalhadores em geral e da mineração em especial, sugerindo o restabelecimento do Ministério do Trabalho;

4 - Imposição de limites na atividade minerária para garantir a preservação do meio ambiente, a diversidade da fauna e da flora, conservação do relevo e paisagem natural;

5 - Desautorização do automonitoramento de segurança das barragens pelas próprias mineradoras;

6 - Revogação da legislação processual sobre a suspensão de segurança, porque é autoritária e contrário ao princípio do processo justo;

7 - Estabelecimento em lei do dever da mineradora preservar a subsistência digna dos atingidos, obrigando a empresa a realizar um pagamento justo e regular enquanto não chegar a termo o processo reparatório;

8 - Fixação em lei de mecanismo apto a reduzir a desigualdade material entre a mineradora e as pessoas atingidas no curso da apuração dos danos, obrigando a empresa a arcar com os custos de assessoria técnica livremente escolhidos pelas vítimas para que o processo reparatório possa ser considerado justo;

9 - Reconhecer como nula a transferência de responsabilidade pela reparação à fundação que isente a empresa causadora do dano do dever de indenizar;

10 - Promoção da célere responsabilização administrativa civil e penal dos diretores das empresas;

11 - Obstar toda a conduta que dificulte as comunidades e trabalhadores atingidos ao acesso à justiça e ao processo judicial justo;

12 - Coibir acordos vis, bem como todas as atitudes que contrariem as administrações da justiça e as regras de organização do trabalho;

13 - Desconstituir qualquer ajuste entre autoridade pública e mineradora que limite as espécies e o valor das reparações sem que haja o prévio conhecimento e efetiva participação dos atingidos.

Foram ouvidos, na audiência, os grupos Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale, Defensoria Pública da União, Internacional de Trabalhadores da Construção e da Madeira, Movimento dos Atingidos por Barragens, Justiça Global, Justiça nos Trilhos, Rede Sindical de Barragens no Brasil e Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Construção Pesada de Minas Gerais.

A Comissão ouviu, além dos grupos peticionários, membros do Estado brasileiro, representado pelo Ministério de Relações Exteriores, Departamento de Desenvolvimento Sustentável na Mineração do Ministério de Minas e Energia e a assessoria especial de assuntos internacionais do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

 

Edição: Aline Carrijo