Imagine! No dia 13 de março, os assassinos Guilherme Tauchi Monteiro, de 17 anos, e Luiz Henrique de Castro, de 25, armados com um revólver .38, uma besta e um machado, atacaram alunos, professores e servidores da Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, no interior paulista, de maneira aleatória, mataram 10 pessoas e feriram outras 11. Se eles tivessem armas automáticas, o número de pessoas mortas seria bem maior. A questão é a seguinte: decreto assinado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, flexibilizando o porte de armas, vai facilitar a chegada nas mãos de pessoas como Monteiro e Castro automáticas e outros tipos de armamentos? O Brasil ainda não chegou ao nível dos Estados Unidos, onde esse tipo de ataque é quase uma epidemia. Mas o número vem crescendo nos últimos anos.
É por esse viés que temos começar a conversar com o nosso leitor a respeito da flexibilização do porte de arma que faz parte do Estatuto do Desarmamento. Ele, que virou lei em 2003 depois de uma longa e acirrada disputa entre os grupos contra e a favor da liberação das armas. Antes de seguir a conversa, é importante lembrar o seguinte: durante os quase 30 anos em que foi deputado federal, Bolsonaro sempre foi contra o Estatuto do Desarmamento. E colocou na plataforma da sua candidatura à Presidência da República a promessa da flexibilização do porte caso fosse eleito. Portanto, ele cumpriu uma promessa de campanha.
Voltando à conversa. Durante os acirrados debates dos contra e a favor do Estatuto do Desarmamento, em 2003, como repórter cobri as discussões em uma das regiões do Rio Grande do Sul onde, certamente, existem mais armas do que habitantes: a fronteira com os castelhanos (Uruguai, Argentina e Paraguai). No interior de Santana do Livramento, fronteira seca com o Uruguai, rodei por uma semana e não encontrei alguém a favor do desarmamento. O mesmo aconteceu em Uruguaiana, separada da Argentina pelo Rio Uruguai. Na fronteira com o Paraguai, no interior das cidades pequenas, como Coronel Sapucaia, no Oeste do Mato Grosso do Sul, dividida por uma rua do município paraguaio de Capitán Bado, também existia a unanimidade em favor das armas. Já nas médias e grandes cidades, a conversa era outra. Lembro de ter conversado e feito matérias com pessoas em Porto Alegre (RS), Florianópolis (SC), Foz do Iguaçu (PR) e São Paulo (SP) sobre o assunto. A maioria das pessoas que entrevisteis nesses centros urbanos foi a favor do Estatuto porque acreditava que ele iria tirar a arma das mãos dos bandidos.
Tirando uma média de tudo o que ouvi e escrevi a respeito do assunto, eu digo que o Estatuto tem os seus defeitos. Mas é um marco civilizatório no Brasil. Coisas como o massacre de Suzano não tem como evitar. Mas tem como dificultar o acesso às armas de pessoas como dois atiradores. Não é por outro motivo que há várias campanhas no mundo, inclusive nos Estados Unidos, tentando dificultar o acesso às armas. Portanto ao flexibilizar o porte de armas, o presidente Bolsonaro colocou o Brasil na contramão do mundo. De maneira muito inteligente, parlamentares da Bancada da Bala estão colocando nas redes sociais que o decreto do presidente restabelece o direito básico que todo o cidadão tem de andar armados, sem favor do seu interesse. Isso é uma casca de banana para o repórter. O que está se discutindo não é o direito de usar ou não usar armas. Mas é dever das autoridades dificultar o acesso a armamentos para atiradores homicidas. Outra casca de banana para o repórter. O questionamento da vinculação do presidente aos grandes fabricantes de armas. Ele nunca escondeu a sua simpatia pelo setor. A questão é que o decreto assinado pelo presidente de flexibilização precisa ser questionado da sua legalidade. É aqui que nós, repórteres, precisamos pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para verificar a constitucionalidade do decreto.
A questão é essa. Nós, repórteres, precisamos explicar ao nosso leitor o que está em jogo. E para conseguirmos é preciso não pisar nas cascas de banana
* Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais.
Edição: Marcelo Ferreira