Troca de acusações pautam a relação entre o prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB), e o Grupo Globo, com ênfase especial para a TV Globo, desde 2016, quando o bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) assumiu o comando da cidade. Mas a tensão entre os dois lados aumentou com as chuvas de abril, quando Crivella disse que “a Rede Globo faz campanha contra o Rio”.
Na época, o prefeito se irritou com as perguntas de uma repórter da TV Globo durante uma coletiva de imprensa. No mesmo dia, a Prefeitura divulgou uma nota contundente, em que faz diversas acusações à emissora, como a de ter recebido “milhões de reais” para divulgar as “ações marqueteiras” do ex-prefeito Eduardo Paes (DEM).
“A verdade é que as Organizações Globo têm sangue nas mãos. Os mais de R$ 170 milhões recebidos da gestão passada, para divulgar o ‘Sonho Olímpico’, poderiam ter salvado vidas de pessoas que, lamentavelmente, nos deixaram por falta de recursos que hoje não temos”, afirma um dos trechos do comunicado de Crivella.
Nas redes sociais, porém, o prefeito não foi poupado. Diante da demora da Prefeitura em responder sobre as mortes ocorridas em razão das fortes chuvas, usuários do Twitter e do Facebook lembraram que Crivella foi eleito com o lema de que iria “cuidar das pessoas”, mas que esse mote teria sido esquecido depois da eleição.
Publicidade
Nos bastidores, a disputa envolve recursos de publicidade do poder público aos meios de comunicação privados. Crivella é sobrinho do Bispo Edir Macedo, fundador da Iurd e dono da Rede Record. O próprio Crivella, durante a coletiva de imprensa, admitiu que “o que a Globo quer é dinheiro na sua propaganda”.
A briga de Crivella tem o presidente Jair Bolsonaro (PSL) como aliado e a maior beneficiária dessa disputa tem sido a Record. Dados recentes do Ibope mostram que a Record cresceu 13% em audiência do governo federal, melhor resultado desde 2011. Além de aumentar as verbas totais de publicidade em 63% em relação a Michel Temer (MDB), Bolsonaro destinou R$ 10,3 milhões para a Record (contra os R$ 1,308 milhão de 2018) apenas nos três primeiros meses de governo. A Globo ficou com R$ 7,07 milhões.
Os valores podem ser maiores que os divulgados, já que não estão incluídos neste levantamento os repasses de publicidade feitos pelos ministérios e por empresas estatais. Em 2017, já em seu primeiro ano de governo, Crivella diminuiu drasticamente a verba de anúncios para os jornais O Globo e Extra. Os dois veículos da família Marinho receberam, juntos, R$ 650 mil, menos dinheiro de publicidade que jornais de circulação bem menor como O Dia e Meia Hora, ambos do mesmo grupo, e que receberam R$ 1 milhão.
Cobertura jornalística
Para o professor de jornalismo da Universidade Federal Fluminense (UFF) Alceste Pinheiro, a TV Globo “não teria evidentemente nenhuma razão para apoiar a agenda conservadora de Bolsonaro e Crivella” e que a emissora sempre demonstrou clara preferência por candidatos do PSDB em períodos eleitorais. O professor assinala, ainda, que a emissora comprou uma briga com o prefeito da cidade na cobertura jornalística.
“São dois lados que agora se enfrentam. Há interesses em ambos os lados, há anos que a Globo não cobria a festa de São Jorge (23 de abril) como fez esse ano. Faz parte desse processo de enfrentamento. Assim como a reação de Crivella, que abandona o Carnaval, economicamente importante para a cidade, por convicção religiosa e para atacar a Globo, que tem altos investimentos na festa”, analisa o professor da UFF.
O Brasil de Fato procurou a Prefeitura do Rio e as Organizações Globo, mas até o fechamento desta reportagem não obteve respostas.
Edição: Vivian Virissimo