Antes mesmo de se tornar presidente da República, Jair Bolsonaro já explicitava sua posição contrária às disciplinas das ciências humanas que promovem a elaboração de senso crítico dentro das escolas e universidades.
Recentemente, o político do PSL anunciou que Abraham Weintraub, ministro da Educação, pretende “descentralizar” o investimento nas faculdades de filosofia e sociologia do país, para “focar em áreas que gerem retorno imediato, como: veterinária, engenharia e medicina”.
A declaração foi amplamente criticada por especialistas, associações acadêmicas, professores e estudantes. Abaixo-assinados que circulam na internet e nas redes sociais que repudiam o posicionamento do governo já contam com milhares de assinaturas.
Após a ampla repercussão negativa, o Ministério da Educação recuou da decisão de punir com bloqueio de recursos especificamente as universidades que, em sua visão, promovem “balbúrdia”. O contingenciamento será estendido a todas as universidades federais e incidirá sobre a verba prevista para o segundo semestre.
Em entrevista à Rádio Brasil de Fato, Andressa Pellanda, coordenadora executiva da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, comenta as políticas adotadas pelo governo Bolsonaro para a área.
“É absolutamente inconstitucional e um total absurdo um corte de verbas para as universidades por conta de uma questão que ele determina como ideológica, como ‘balbúrdia’”, afirma Pellanda.
Ela acrescenta que os posicionamentos adotados por Weintraub -- que atacam os cursos de filosofia e sociologia -- violam o artigo 207 da Constituição, que assegura que as universidades têm autonomia didático-científica, administrativa, de gestão financeira e patrimonial. “É uma medida autoritária que fere a autonomia das universidades”, destaca.
Confira a entrevista.
Brasil de Fato: Recentemente o ministro da Educação do governo Bolsonaro, Abraham Weintraub, anunciou o corte de 30% da verba para as universidades e institutos federais. A principal justificativa é o que ele chama de “balbúrdia”. O que essa medida representa?
Andressa Pellanda: É absolutamente inconstitucional e um total absurdo um corte de verbas para as universidades por conta de uma questão que ele determina como ideológica, como "balbúrdia". Nem conceituar a terminologia ele mesmo se deu ao trabalho. Isso já é inconstitucional, porque viola o artigo 207 da Constituição, que diz justamente que as universidades têm autonomia didático-científica, administrativa, de gestão financeira e patrimonial. Ou seja, é uma medida autoritária que fere a autonomia das universidades.
Eles se colocam contra uma ideologia nas escolas, mas, ironicamente, o que eles fazem é uma perseguição ideológica em um espaço de ensino que, na verdade, preza pelo pluralismo de ideias, pelo debate, pelo senso crítico; baseado em uma total inverdade de que a universidade estaria doutrinando os alunos ou fazendo "balbúrdia" ou qualquer coisa ideológica. As universidades no Brasil não possuem uma linha ideológica, basta entrar na universidade e olhar com seus próprios olhos. Isso é absurdo e se trata de um caso claro de censura.
Fora isso, passando do ponto de vista do debate moral, digamos assim, temos visto que a despesa com a educação tem caído nos últimos anos. O Plano Nacional de Educação (PNE), principal legislação que temos hoje na educação, prevê o aumento gradativo do financiamento para educação no Brasil, porque foi feito um diagnóstico que não só faltam vagas para universalizar o atendimento para todo mundo, como também falta qualidade nas instituições de ensino e, para isso, precisamos de um investimento maior em educação.
Saiu um relatório do Conselho Legislativo da Câmara dos Deputados, nesta semana, mostrando que houve uma queda de 15% na despesa com o ensino superior. Na educação básica, a queda foi de 19%. Como se pode prezar pela educação, falar que se preza pela educação, quando, na verdade, só fazem cortes desde 2014, quando o PNE foi aprovado?
O presidente Jair Bolsonaro, na semana passada, usou as redes sociais para dizer que o Ministério da Educação estuda retirar investimentos de faculdades de filosofia e sociologia. O que isso nos mostra?
O alvo para se retirar investimento -- e fazer um processo de focalização de investimentos -- justamente está voltado para a faculdades das ciências humanas, e isso se dá por conta dessa perseguição ideológica que está sendo feita, que acredita que, para o desenvolvimento do país, precisa-se investir somente em exatas e biológicas, gerando inovações e tecnologias. Mas, se esquece que a filosofia é a base de todas essas ciências.
É impossível ter um processo de desenvolvimento tecnológico, stricto sensu, bem calcado, se não existisse uma filosofia por trás da matemática. Todas essas questões passam por trás de um pensamento crítico. O cientista, na hora de formular e desenvolver sua pesquisa, precisa pensar. E como se desenvolve o pensamento? Por meio do estudo de diversas disciplinas, inclusive e especialmente, das que derivam da filosofia.
É claro que se trata de uma medida autoritária que faz uma perseguição ideológica que é sem sentido. Sem a base de ciências humanas, não conseguimos ter um processo de desenvolvimento industrial, sustentável, em um país do tamanho do Brasil.
Em relação ao cenário estadual de São Paulo, nós também temos medidas na educação. Foi aberta uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), na Assembleia Legislativa, para investigar os gastos das universidades estaduais -- USP, Unicamp e Unesp. Parte da comunidade acadêmica tem se manifestado contrária e apontado que a CPI, na verdade, seria inconstitucional. Como você entende essa medida?
O que está acontecendo aqui no estado, basicamente, é o mesmo cenário que tem acontecido nas universidades federais, seguindo o que vem sendo colocado pelo novo ministro. O próprio deputado do PRB, Wellington Moura, que é o autor dessa proposta de abertura da CPI, vice-líder do governo Doria na Alesp [Assembleia Legislativa de São Paulo], colocou que a ideia é apurar gastos com professores e funcionários, e, entre aspas, o "aparelhamento da esquerda" na USP, na Unicamp e na Unesp.
É irônico, porque isso foca em grandes universidades, inclusive a maior do Brasil e a maior da América Latina, que é a própria USP. A universidade que tem maior produtividade, que tem maior pluralidade de ideias, senso crítico, que é exemplo internacional para outras universidades do mundo, é a que é mais atacada.
Concluímos também que é absolutamente um caso de censura e perseguição ideológica dentro das universidades. Isso é absolutamente perverso para a democracia brasileira. Chegamos a um ponto em que não é permitido ter divergência quanto ao Executivo, e isso é um caso de autoritarismo que fere princípios básicos da democracia.
*Com colaboração de Lu Sudré.
Edição: Vivian Fernandes