Duas das principais forças aliadas que garantiram a presidência da República para Jair Bolsonaro (PSL) nas eleições de outubro -- os evangélicos conservadores e os militares -- estão em disputa pelo poder. Na semana passada, o deputado federal pastor Marco Feliciano (Podemos), também presidente da Assembleia de Deus, fez um pedido oficial de impeachment do vice-presidente general Hamilton Mourão, um dos líderes dos militares que apoiam Bolsonaro.
“Nunca antes, nos primeiros cem dias de um presidente, um vice-presidente agiu de maneira tão indecorosa e indelicada desdizendo tudo o que o presidente diz”, afirmou o deputado. Para Feliciano, a postura de Mourão deve ser encarada como conspiração e isso justificaria o pedido de impeachment. O deputado acredita que o general pretende dividir o país.
“Me recuso a chamá-lo de general. Porque ele não é general no nosso governo. Ele é vice-presidente, é um civil. Alguém pode até imaginar ‘mas isso não enfraquece o governo?’. Pelo contrário, o governo está caracterizado na figura do presidente da república, empossado para isso”, disse Feliciano.
A assessoria de comunicação da vice-presidência informou que o general Mourão não vai comentar o pedido de impeachment ou as declarações feitas pelo deputado Feliciano. Na última quarta-feira (24), o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), arquivou o processo.
Espaço político
As acusações contra Mourão podem ser encaradas como reação da ala conservadora dos evangélicos que esperavam mais espaço no governo Bolsonaro, que tem grande participação de militares. A reclamação pública dos religiosos que se sentiram “esquecidos” na divisão de poder começou logo nas primeiras semanas. O pastor Silas Malafaia, que puxou o apoio dos evangélicos no segundo turno, fez críticas contundentes ao governo.
Hoje, dos 22 ministros, oito são das Forças Armadas, setor majoritário no primeiro escalão do governo. Para Ana Penido, doutora em Relações Internacionais e mestre em Estudos Estratégicos, a maior presença de militares tem explicação.
“Evangélicos, olavetes, uma parte considerável das polícias e o baixo clero das forças armadas formam o núcleo ideológico do bolsonarismo. Nesse cenário, os militares sempre vão sair vitoriosos porque são uma corporação, com uma hierarquia muito clara. É mais fácil contemplar uma corporação, ainda que existam diferenças. No final das contas, sempre vão atuar juntos, como família militar. Não podemos dizer a mesma coisa das diversas denominações das igrejas evangélicas”, explica.
Mesmo com nomes como Onyx Lorenzoni (Casa Civil) e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), que são do campo evangélico, ainda há ruídos na composição do governo.
Para o teólogo Ronilso Pacheco, da Igreja Batista, autor do livro Ocupar, Resistir, Subverter: igreja e teologia em tempos de violência, racismo e opressão, os evangélicos conservadores têm um histórico de plano de poder, principalmente atuando nos bastidores nas chamadas pautas “morais e de costumes”.
“Sempre houve esse núcleo que ficou ali no subterrâneo, com pouco espaço no executivo nos governos Lula e Dilma, em especial, mas com muito trânsito no legislativo. O exemplo mais conhecido é o da [ministra] Damares, que há bastante tempo é assessora jurídica do senador Magno Malta, que é uma figura emblemática porque perdeu poder e lugar. Ela, porém, transitava por ali”, disse Pacheco.
Na avaliação do teólogo, a direção da campanha de Jair Bolsonaro acenou com gestos e promessas maiores de poder para os evangélicos.
“Todos os sinais do Bolsonaro [indicavam uma aproximação], o casamento feito pelo pastor Silas Malafaia, o batismo no rio Jordão em Israel, isso é emblemático. A passagem do Bolsonaro pelo PSC, um partido declaradamente cristão, todas essas adesões trouxeram muita expectativa para esse grupo que queria ocupar um lugar [de destaque]. Principalmente nas pautas chaves de educação, direitos humanos e morais, atravessadas por algumas questões como o aborto, por exemplo”, avaliou.
Essa expectativa de proximidade com o poder acabou gerando uma grande decepção.
“Eles contaram pouco com a ambiguidade trabalhada pelo Bolsonaro que, por um lado, na questão da família, traz um grupo evangélico, mas que também abria espaço para um corpo militar forte e estratégico”, disse Pacheco.
Edição: Aline Carrijo