Na última semana, a Prefeitura de Porto Alegre anunciou o lançamento de edital para a terceirização completa da gestão de dois pronto-atendimentos de saúde da Capital. A depender da vontade pessoal do prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB), a intenção do Executivo municipal é que, no futuro, todos os serviços de saúde pública hoje a cargo do município sejam prestados, na ponta, por organizações sociais sem fins lucrativos. A justificativa do prefeito é de que, com a terceirização, é possível melhorar a qualidade do atendimento à população e diminuir os custos de operação do poder público. Algo que para ele é tão vantajoso que, no dia do evento, disse que sequer conseguia entender como alguém pode ser contrário a isso. Mas será que a gestão privada é tão boa assim?
O principal argumento utilizado por Marchezan na defesa da terceirização é de que será possível, com o mesmo volume de recursos — cerca de de R$ 4 milhões mensais –, produzir mais atendimentos e qualificar a estrutura das unidades de saúde. Segundo a Prefeitura, isso é possível porque a iniciativa privada conseguiria comprar insumos mais baratos e também porque o nível de remuneração dos médicos é menor nas terceirizadas.
Médico e professor do Curso de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Alcides Miranda tem estudado os impactos da terceirização – ou agenciamento, como refere-se ao processo, – na Saúde há pelo menos 10 anos. Além de estudar as experiências internacionais, já revisou mais de 300 contratos com terceirizadas no Brasil, em estados como Santa Catarina, Paraná, Bahia, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. A partir desse trabalho, produziu, em 2017, uma nota técnica que aponta para a tendência crescente desse processo no Brasil.
A partir da revisão das experiências existentes, Miranda é taxativo: “Não há evidência de que exista vantagem do ponto de vista do gasto público”. Para ele, a economia que estados e municípios obtêm ocorre apenas no longo prazo, do ponto de vista previdenciário, mas os repasses às organizações sociais tendem a crescer rapidamente e superar os gastos que o ente público tinha para a prestação do mesmo serviço.
O presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), Marcelo Matias, também alerta que as terceirizações costumam gerar um processo de precarização nas condições de trabalho e que isso acaba por impactar na prestação do serviço. “Sempre que estiver muito ruim para os médicos, provavelmente isso vai refletir para a população. Como eu te disse, num primeiro momento, tenho certeza que isso vai funcionar. O meu problema é o longo prazo. O que eu vejo do ponto de vista prático é que se fazem esses processos de terceirização e com o tempo eles acabam criando dívidas trabalhistas, dívidas de atendimento, cai a qualidade da estrutura e o que eu tenho visto é que, inclusive, os médicos deixam de receber e acabam deixando de fazer os respectivos plantões, isso acaba sobrando para a população”, diz.
Mercado de doenças
Ao comparar as experiências de terceirização no exterior e no Brasil, o professor Alcides Miranda diz que a forma como os contratos são elaborados aqui fazem com que as organizações sociais não precisem se preocupar com as melhorias nos índices de adoecimento da população, pois têm suas metas e remuneração estabelecidas apenas por critérios de produtividade.
“Na maior parte do capitalismo central, nos países da Europa, principalmente, os contratos estabelecidos entre governos e esses prestadores agenciados exigem, além da prestação do serviço, atingir metas e indicadores que tenham a ver com o estado de saúde da população e a garantia de que os princípios das constituições desses países sejam cumpridos. Aqui no Brasil, eu revisei nos últimos 10 anos mais de 300 contratos de gestão de governos municipais e estaduais e em nenhum contrato constava a exigência de princípios constitucionais e de diretrizes organizativas do SUS, só constava a necessidade de produção de procedimentos clínicos”, diz o professor.
Para Miranda, ao não exigir a melhora do estado de saúde da população, o governo abre mão de fazer a gestão da saúde focada na redução da desigualdade social, na acessibilidade, e delega suas responsabilidades como autoridade sanitária para agentes terceirizados, alimentando assim o que chama de “mercado de doenças”. “As pessoas imaginam que quanto mais hospitalização melhor. Mas, na verdade, em um sistema que está funcionando bem, que tem uma atenção primária que funciona bem, o indicador de melhoria de resultados seria o inverso, seria a diminuição de internações, principalmente de intervenções evitáveis por procedimentos preventivos ambulatoriais. E aí quando um governo faz um contrato com um prestador desses e só exige que ele produza, que ele atenda, isso tende a gerar um círculo vicioso de um mercado de doenças e não de uma produção de saúde. O prestador vai querer receber e vai continuar produzindo para receber. Ele não vai investir nada em prevenção, não vai investir nada em produção social de saúde. Então, essa é uma deturpação desses contratos que é muito mais pertinente para o mercado de doenças, para quem ganha dinheiro com doenças, do que para um sistema de saúde que busca prevenir busca promover saúde. Isso é uma questão muito séria do ponto de vista epidemiológico no médio e longo prazo”, afirma.
A preocupação da Coordenadora do Conselho Municipal de Saúde (CMS) de Porto Alegre, Maria Letícia de Oliveira Garcia é de que os processos de terceirização da gestão da saúde repitam problemas já apresentados na cidade. Ela destaca, por exemplo, que a empresa contratada para prestar os serviços de higienização, nutrição e limpeza hospitalar no Hospital de Pronto Socorro (HPS) com frequência tem atrasado o salário e direitos trabalhistas de seus funcionários, o que leva a paralisações e, consequentemente, ao desassistimento da população. Ela também lembra que, entre 2007 e 2009, Porto Alegre terceirizou a gestão do Programa de Saúde da Família (PSF) para uma organização social, o Instituto Sollus, o que resultou em um desvio milionário de recursos públicos. No ano passado, mais de R$ 10 milhões foram devolvidos aos cofres públicos como parte das investigações sobre a entidade. “O Conselho acompanhou atentamente o caso Sollus. Apontamos os perigos de uma Oscip que não tinha a menor tradição de atender a atenção básica e deu no que deu. Nós vamos esperar que isso aconteça novamente?”, questiona Garcia.
No último final de semana, a Conferência Municipal de Saúde, que reuniu trabalhadores de toda a rede municipal, tirou uma posição contrária à terceirização e de que a iniciativa privada deve atuar de forma complementar, não assumindo a gestão integral do setor. A avaliação é que as experiências de outras cidades relatadas no evento, como Campinas, indicam que, cada vez que muda o contrato para gestão de unidades de saúde, todos os médicos são demitidos e são oferecidos a eles salários menores para serem recontratados. Como muitos não aceitam, perde-se o vínculo entre atendente e atendido. “O vínculo dos profissionais com o usuário é fundamental para o processo terapêutico acontecer, na atenção básica e no atendimento psicossocial. A terceirização termina com a qualidade do atendimento, porque o serviço fica como uma mercadoria a ser entregue”, diz.
Questionado sobre o histórico de problemas com terceirizações na última semana, o secretário Pablo Stürmer destacou que, para concorrer ao chamamento, as organizações sociais terão de comprovar pelo menos cinco anos de experiência na prestação de serviços de urgência e emergência. O secretário ainda diz ainda que a seleção seguirá critérios técnicos, não apenas de preço. “Esse histórico de empresas criadas do dia para a noite é baseado nos contratos da Lei 8666, a Lei de Licitações. A Lei 1309 prevê a contratualização de parcerias e no edital fica claro a necessidade de experiência, a necessidade de ter tempo de existência para poder concorrer, para poder prestar o serviço com a experiência e com a qualidade que entidades hoje prestam esse serviço no País”, afirmou.
CPI em SP: um negócio muito lucrativo
Em 2018, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) realizou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar o descontrole dos repasses às Organizações Sociais da Saúde (OSSs). O relatório final produzido pela CPI chegou a pedir a responsabilização do ex-governador Márcio França, do secretário estadual de Saúde e de seu adjunto por crime de responsabilidade. No entanto, o texto foi esvaziado e, ao ser aprovado, isentou agentes públicos de responsabilidades.
Contudo, mesmo esvaziado, a CPI determinou que os contratos das OSSs com os profissionais de saúde fossem tornados públicos — antes não eram –, a proibição de que servidores públicos sejam sócios de empresas contratadas pelo estado e que a secretaria de Saúde adotasse medidas para fiscalizar as organizações sociais, antes de responsabilidade apenas do Tribunal de Contas.
Um levantamento do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), apresentado à CPI em 2018, apontou que, em cinco anos, o governo estadual repassou R$ 28 bilhões para organizações sociais, com duas instituições chegando a receber sozinhas mais de R$ 5 bilhões cada. No mesmo período, a Prefeitura de São Paulo repassou R$ 4 bilhões a OSSs.
A partir da fiscalização, o TCE-SP apresentou uma série de problemas com a contratualização da saúde, como a quarteirização de atividades-fim, o desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos, o uso de recursos para a contratação de trabalho de propaganda institucional de OSS, a contratação de empresas de parentes de diretores da OSS, não cumprimento de metas, aquisição de insumos a preços superiores aos praticados pelo Estado de São Paulo, pagamento de dirigentes das OSSs acima do teto permitido por lei, notas fiscais sem identificação de serviços prestados, contratação de empresas sem processo de seleção de fornecedores, contratação de pessoal sem processo de seleção, entre outros problemas de gestão.
Quanto à prestação de serviços, o TCE-SP apontou que os profissionais de saúde contratados pelas terceirizadas eram em número insuficiente para atender as demandas e metas, havia descumprimento nas escalas de trabalho, médicos que faltavam a plantões e assinavam o ponto de forma fraudulenta, plantões de até 120 horas seguidas, ausência de publicidade da escala dos médicos plantonistas, entre outros problemas.
Mauri Bezerra, Conselheiro Estadual de Saúde de São Paulo, destaca que as OSSs começaram a ser implementadas na gestão da saúde de São Paulo a partir do final da década de 1990. Atualmente, a nível estadual, elas são responsáveis pelas redes de ambulatórios e por grande parte dos hospitais que atuam pelo SUS, tendo inclusive mais leitos que a administração direta. Na capital paulista, as OSSs administram 100% das unidades básicas de saúde e parte dos hospitais.
Bezerra destaca que há dois problemas principais: a quarteirização dos serviços e a limitação do atendimento. “Sem contar que você não tem o controle de quem a OSS contrata, como que vai ser esse contrato, se ele não tá superfaturado, porque ela tem um orçamento X para fazer gestão por mês, então não interessa se vai dar um bom atendimento. O que importa para a OSS, dentro daquele orçamento, é prestar um determinado serviço”.
Os hospitais administrados pelas organização sociais atuam, segundo Bezerra, no chamado sistema de porta fechada, isto é, só prestam atendimentos referenciados. “Você não pode ir diretamente para um hospital. Precisa ir primeiro a um ambulatório ou para uma unidade básica. Se eu estou passando mal, nem adianta eu ir num hospital de uma OSS, porque não vou ser atendido”, explica. Já os hospitais de administração pública operam no sistema de “porta aberta”, isto é, não negam atendimento.
Isso ocorre porque as OSSs prestam, no máximo, 10% a mais dos serviços para os quais foram contratadas. Se a pactuação é para 100 consultas por mês, a partir da 111ª, todas serão reagendadas para um mês posterior que tiver vagas. “Não tem filas porque são referenciados, não tem atendimento precário porque atende com porta fechada, não tem superlotação, tem ocupação de 85%, 90% dos leitos, por causa dessas restrições. Em compensação, a fila virtual é gigantesca. Às vezes demora cinco, seis meses para conseguir uma consulta”, diz.
Quanto à quarteirização, Bezerra diz que a fiscalização do TCE e os trabalhos da CPI indicaram que muitas OSSs acabavam contratando outras empresas para realizarem o serviço para o qual foram selecionadas ou contratando profissionais na forma de pessoas jurídicas. “A gente pegou uma empresa de médicos anestesistas, que eram médicos do estado, e criaram uma empresa para trabalhar para uma OSS. Eram contratos grandes, na casa dos R$ 12 milhões, mas o estatuto dos servidores não permite que um agente público tenha duas receitas do estado”, diz.
Ele diz que, além das fraudes provocadas, a quarteirização também dificulta, quando não inviabiliza, a criação de vínculos entre a população e profissionais de saúde. “Você não tem nenhum vínculo com o profissional. Zero. Hoje você vai ser atendido, mesmo que seja para uma consulta de rotina, por um profissional e a amanhã vai ser por outro, sem ter a continuidade do serviço”, diz.
Bezerra conta que a CPI chegou a apurar que diretores de hospitais terceirizados chegavam a ganhar salários na casa dos R$ 50 mil, muito acima dos gestores da administração pública. Ele avalia que a comissão de inquérito até teve uma repercussão importante na imprensa, mas acabou sendo infrutífera porque a Assembleia Legislativa de São Paulo tem uma grande base de apoio ao governo estadual.
Médicos na berlinda
Na coletiva em que apresentou o edital para a terceirização da administração dos pronto-atendimentos da Bom Jesus e da Lomba do Pinheiro, o prefeito Marchezan adotou um tom irônico para se referir aos críticos da terceirização. Além das suas já tradicionais críticas ao Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), com quem rompeu o diálogo em 2017, o prefeito também voltou sua artilharia ao Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers). Em seu discurso no evento, o prefeito ironizou as “notas pagas” em jornais e disse que não conseguia compreender como alguém pode ser contrário ao processo promovido por sua gestão.
Para o presidente do Simers, Marcelo Matias, o prefeito revela um comportamento autoritário ao partir para o ataque ao sindicato médico. “O que eu não entendo, na verdade, é o fato do prefeito não entender quem se contrapõe, porque isso é da democracia. Talvez ele tenha que entender que as pessoas podem concordar ou discordar com ele e que isso é uma coisa do ambiente democrático. Somente em ditaduras a gente não tem o direito de manifestar contrário ou favorável”, disse.
Matias apresenta duas críticas ao modelo de terceirização que está sendo adotado pelo prefeito Marchezan. A primeira diz respeito à forma, ao fato de que a Prefeitura não levou estes processos à deliberação do Conselho Municipal de Saúde, como determina a legislação, o que fez com que o Simers entrasse com uma ação judicial para tentar obrigar o governo municipal a seguir esse trâmite. “Em sendo aprovado pelo conselho, o Simers vai inferir que não tem mais o que fazer e, portanto, vai atuar apenas como fiscalizador do processo”, diz.
O outro problema apontado por Matias diz respeito às experiências de terceirização na Região Metropolitana de Porto Alegre e de outras regiões do Rio Grande do Sul. “Quando a gente olha para o lado, para os hospitais muito próximos da gente que são terceirizados em todas as cidades, a gente pode citar como exemplo ícone disso Canoas, mas basta olhar para o lado na Grande Porto Alegre e a gente vai descobrir vários casos. Pode a terceirização dar um ótimo resultado e, portanto, a propaganda de que vamos ter um aumento do atendimento à população, mais condições, mais profissionais estar certa? Pode. Mas, com o andar da carruagem, o que a gente vê é a falência desse sistema. O que a gente tem é hospitais fechados, médicos que não recebem salário, funcionários que não recebem salário e a população desassistida. Então, a gente tem uma certa dúvida se essa receita, que já foi utilizada para vários locais da nossa periferia, vai produzir bem e Porto Alegre vai ser a exceção à regra, ou se vai produzir o mesmo resultado, de iniciar bem e terminar mal”, avalia.
Ele também chama atenção para o fato de que o “case de sucesso” usado por Marchezan na apresentação do edital na terça-feira (16), o Hospital da Restinga, que funcionaria “maravilhosamente bem”, não diz respeito ao mesmo processo que irá acontecer nos pronto-atendimentos e, possivelmente, no HPS no futuro próximo. O Hospital da Restinga, originalmente, já tinha a prestação de serviços contratualizada com a iniciativa privada, tendo o grupo Moinhos de Vento sido substituído pelo Hospital Vila Nova na gestão da instituição. “Portanto, é uma comparação que não pode ser feita, porque apenas se trocou o contrato. Quando troca-se o contrato, potencialmente se tem resultados distintos. Não há comparação com o que está sendo feito dentro dos pronto-atendimentos e, potencialmente, no HPS. Ali vai ser convertido do público para o privado”, diz. Ele ainda destaca que, hoje, o Pronto Atendimento da Bom Jesus é considerado o melhor da cidade. “Vai ser trocado por um privado que a gente ainda não sabe o resultado. Pode, inclusive, ser um resultado bom e, se for, a gente vai elogiar, mas ele pode na largada ser bom e a longo prazo dar problema, e nós vamos estar na porta para criticar”.
Matias diz que o Simers não tem uma posição de contrariedade natural a qualquer tipo de processo. “A gente tem uma posição de avaliação. Se o projeto parecer bom, nós vamos ser favoráveis e, se o projeto for ruim, nós vamos ser contrários. Mas, a Prefeitura, por se negar a fazer uma mesa de negociação, tirou a nossa capacidade de fazer uma avaliação e, na ausência disso, o que nós estamos fazendo hoje é responder à sociedade, porque a sociedade não foi convidada a participar do processo, e também à própria categoria, que não foi convidada a participar do processo”, diz.
Ele aponta ainda os próprios problemas verificados na PA da Bom Jesus no último final de semana como um alerta sobre as promessas da terceirização. “Os médicos estatutários [servidores públicos] cumpriram toda a sua carga horária. Mas a firma terceirizada que deveria oferecer profissionais para fazer a cobertura dos horários nos quais a Prefeitura não contratou profissionais estatutários foi contratada de modo tardio e inadequado, com dispensa de licitação, por contrato emergencial. O que aconteceu? Faltou médico e a população ficou desassistida. Aí a gente tem precisamente o que pode acontecer com o processo total de terceirização”, afirma.
Sem discussão com a cidade
Além dos problemas apresentados em experiências anteriores de terceirização, os profissionais ouvidos para essa reportagem apontam que a Prefeitura não abriu um canal de diálogo real com a sociedade e com as categorias profissionais a respeito do processo.
Coordenadora do Conselho Municipal de Saúde, Maria Letícia de Oliveira Garcia aponta que os prazos legais para o encaminhamento de um processo como a terceirização de unidades de saúde não foram observados pela gestão Marchezan. Ela diz que, inicialmente, a Prefeitura deu apenas 7 dias para o CMS fazer uma análise do processo, o que motivou uma ação judicial. Diante do questionamento na Justiça, estendeu o prazo para 30 dias, mas Garcia destaca que a lei complementar 790/2016, que estabelece as normas gerais para os processos administrativos do Executivo municipal, dá um prazo de 90 dias para órgãos consultivos emitirem pareceres. Em se tratando de um órgão deliberativo e fiscalizador, o CMS deveria ter pelo menos o mesmo prazo para emitir parecer sobre os processos de terceirização, avalia.
A coordenadora diz que a Prefeitura sequer encaminhou o chamamento público para o CMS e que apenas enviou as justificativas para a realização da terceirização. Ela ainda ressalta que a gestão Marchezan vem tendo esvaziar as prerrogativas do conselho desde o início de 2018, quando interviu no órgão, tendo depois sido derrotado na Justiça a respeito da composição do CMS.
Garcia aponta ainda que uma nota técnica elaborada em 2018 de forma conjunta pelo Ministério Público de Contas (MPC-RS), pelo Ministério Público (MP-RS), pelo Ministério Público do Trabalho (MPT-RS) e pelo Ministério Público Federal (MPF-RS) a respeito das terceirizações na saúde indica que o terceiro setor deve atuar de forma complementar e não pode ficar responsável pela substituição integral do poder público e os processos de terceirização serem submetidos à apreciação de conselhos municipais. Além disso, a nota aponta que as experiências no Estado indicam que os serviços terceirizados, normalmente, operam no sistema de “porta fechada”, o que, portanto, exige do poder público adotar medidas para evitar a sobrecarga das demais unidades de saúde.
O professor Alcides Miranda avalia que o prefeito Marchezan, ao transformar as terceirizações em modelo a ser ampliado para toda a rede, está buscando “se livrar” do ônus da gestão pública e das responsabilidades com os profissionais da saúde. “Ele adota um discurso gerencialista de que o empresariamento da gestão pública tem melhores resultados. Acontece que as evidências apontam o contrário. É fácil ele vender esse discurso quando não vai para um debate. Se ele for para um debate e a gente trouxer as evidências que estão acumuladas de estudos sobre esse tipo de agenciamento, de terceirização, é facilmente demonstrável que ele ou está mentido ou não sabe o que está fazendo”, afirma o professor. Miranda ainda critica o secretário municipal de Saúde, Pablo Stürmer, por adotar um discurso de que a gestão sanitária deve ser baseada em evidências ao mesmo tempo que ignora as pesquisas realizadas a respeito das terceirizações. “As evidências demonstram claramente que esse tipo de agenciamento não produz os resultados que eles estão anunciando”.
O presidente do Simers, Marcelo Matias, também crítica a falta de diálogo por parte da gestão Marchezan. “A Prefeitura gosta de fazer as coisas de cima para baixo e não consegue nem entender porque a gente se contrapôs”, diz.
Edição: Sul21