A meia entrada é um direito conquistado pelos estudantes brasileiros, não um privilégio ou uma concessão feita pelo poder público. Foram gerações que se colocaram na linha de frente da política estudantil e partidária para que a facilitação do acesso à educação e à cultura, através da meia entrada, virasse uma realidade.
No caso da Paraíba, essa história de luta teve um importante capítulo com a promulgação da Lei nº 9.669/2012, de autoria do então Deputado Estadual Gervásio Maia, que não só previa o direito à meia entrada para os estudantes nos espetáculos artísticos, culturais e esportivos, mas também estendia a meia entrada para o serviço público de transporte coletivo. Uma das maiores inovações da Lei nº 9.669/2012 foi a possibilidade de a condição de estudante ser comprovada não apenas pela tradicional (e paga) Carteira de Identificação Estudantil, mas também com mera declaração ou comprovante de matrícula do ano em curso, o que ampliava para os estudantes de baixa renda o acesso efetivo à meia entrada, já que essas declarações são, em regra, gratuitas.
No entanto, essa conquista não está sendo mantida sem luta, pois em 2017, o Município de João Pessoa promulgou a Lei nº 1.867 que, no âmbito de João Pessoa/PB, determinava que a comprovação da condição de estudante somente poderia se dar pela apresentação da Carteira de Identificação Estudantil.
Briga judicial
A mencionada Lei Municipal teve a sua constitucionalidade contestada pela Mesa Diretora da Assembleia Legislativa do Estado da Paraíba e pelo Ministério Público do Estado da Paraíba, pois se entendeu que não só a lei municipal contrariava a lei estadual, já que ela só podia adequar à realidade do município, como também ela criava um embaraço ao direito ao acesso à educação, pois obrigava estudantes carentes a adquirirem a Carteirinha de Estudante para poderem usufruir da meia entrada no transporte coletivo.
O Plenário do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba (órgão mais importante do poder judiciário estadual), no julgamento da Medida Cautelar da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 0801577-59.2018.8.15.0000, concedeu medida cautelar (ID n° 3492425) para suspender os efeitos da Lei n° 1.867/2017, do Município de João Pessoa, autorizando assim que os estudantes da capital paraibana gozassem do direito à meia-entrada no transporte coletivo sem a exigência da apresentação da Carteira de Identificação Estudantil.
Essa decisão, por sua natureza peculiar, deve ser seguida pelo poder público e pelos particulares atingidos pela lei que teve os efeitos suspensos.
Mas essa não foi ainda a última batalha dos estudantes paraibanos, porque a 2ª Vara da Fazenda Pública de João Pessoa, na Ação Ordinária nº 0825406-80.2018.8.15.2001, movida pela União Estadual dos Estudantes, suspendeu os efeitos da Lei 9.669/2012, do Estado da Paraíba, mesmo diante de sérios questionamentos sobre a legitimidade da autora da ação e da competência daquela vara para julgar o processo. Com essa decisão, os Procons foram intimados para fazer ser exigida a Carteira de Estudante para o exercício da meia entrada e, vários membros do setor privado, já pararam de aceitar as declarações de matrícula.
Porém a ação da UEE tem algumas fragilidades claras, que já foram apontadas pelo Estado da Paraíba na sua contestação, e algumas outras que podem ser resumidas a seguir:
1. A 2ª Vara da Fazenda Pública de João Pessoa era incompetente para apreciar de forma abstrata a constitucionalidade da Lei n° 9.669/2012, do Estado da Paraíba, como acabou ocorrendo no caso.
2. A UEE não comprovou a sua legitimidade para representar todos os estudantes do estado da Paraíba;
3. A Lei n° 9.669/2012, do Estado da Paraíba, não foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade e seus efeitos não foram suspensos por medida cautelar, e além disso, a Lei não foi revogada pela Lei Federal 12.933/2013, pois a Lei Estadual é mais específica e amplia direitos;
4. A constitucionalidade e a validade da Lei n° 9.669/2012, do Estado da Paraíba, foi reafirmada pelo TJPB no julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 0801577-59.2018.8.15.0000;
5. Exigir que os estudantes adquiram onerosamente Carteiras de Identificação Estudantil para poderem gozar do direito à meia-entrada dificulta o acesso à educação, à cultura e ao lazer, em especial nos casos dos estudantes de baixa renda, o que deveria ser rechaçado e não chancelado pelo judiciário.
Barganha com a educação
Mais do que as fragilidades no processo, cuja decisão que não deu prazo de adaptação e colocou milhares de estudantes em filas enormes para adquirirem carteirinhas a preços altos, a ideia por trás da exigência da Carteira de Identificação Estudantil merece críticas pelo que ela é: uma barganha com o direito à educação.
Exigir que um estudante carente, todos os anos, adquira uma carteira de estudante junto às poucas entidades conveniadas, que cobram quanto querem pois formam um verdadeiro cartel, para poder pagar meia entrada no transporte coletivo, no cinema e no teatro, é colocar o lucro de uma minoria acima do incentivo à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer de uma imensa maioria.
Não há justificativas para a manutenção da decisão da 2ª Vara da Fazenda Pública de João Pessoa, assim como não haviam justificativas plausíveis para a edição da Lei nº 1.867/2017 do Município de João Pessoa, porém elas vieram e, de um dia para o outro, colocaram o Estado à beira do caos. Agora resta esperar e cobrar para que as autoridades adotem as medidas cabíveis para sanar esse grave problema, que coloca em risco o exercício dos direitos de centenas de milhares de estudantes na Paraíba.
*Bacharel em Ciências Jurídicas pela UFPB e advogado inscrito na OAB/PB sob o nº 20.227.
Edição: Heloisa de Sousa