Depois de mais uma sessão agitada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, em Brasília (DF), a votação da reforma da Previdência foi adiada para a próxima semana. O anúncio foi feito pelo presidente do colegiado, Felipe Francischini (PSL-PR), após novos embates entre governo, oposição e membros do chamado “Centrão” – grupo conservador alinhado à direita liberal que não integra oficialmente os partidos aliados do presidente Jair Bolsonaro (PSL).
O anúncio do encerramento da sessão, com o consequente adiamento da votação, veio após uma reunião de bastidor em que líderes partidários debateram com o relator da matéria, Deputado Marcelo Freitas (PSL-MG), possíveis alterações no parecer apresentado pelo pesselista no último dia 9, em que o parlamentar pede a aprovação da reforma na CCJ. A postergação da votação foi solicitada pelo próprio relator.
“Acho que é uma vitória de uma aliança pontual entre oposição e centro. É uma vitória dos dois campos, cada um pela sua visão. A nossa é muito político-ideológica, porque nós não estamos pedindo nada pra ninguém. Nós só queremos derrotar uma proposta que consideramos incorreta, e os partidos de centro são mais heterogêneos, têm interesses diversificados aí. Alguns discordam, de fato, de pontos da proposta e outros estão mandando recado pro governo”, disse a líder da minoria, Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
A declaração é uma referência à costura que partidos do "Centrão" vêm tentando fazer nos bastidores em busca de acordos com o governo em relação à reforma.
O adiamento da votação tem também, por trás, a insatisfação de diferentes grupos políticos com os pontos mais rígidos da reforma, que tramita sob o nome de Proposta de Emenda Constitucional PEC 6/2019.
“O foco da oposição será sobretudo em retirar da proposta a capitalização, que nós consideramos a parte mais cruel da proposta, entregando cada trabalhador à sua própria sorte. Além disso, [queremos] tirar a mudança no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e na aposentadoria rural”, reforçou o líder da oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ).
Para o líder, a dificuldade de Bolsonaro em passar a reforma adiante na Câmara é ainda um termômetro do contexto que o Planalto tem vivido diante dos parlamentares.
“Isso mostra que a articulação do governo não vem funcionando. O que está provado é que o governo não tem base, não consegue se articular politicamente e não tem o numero suficiente de deputados pra defender a proposta. Ela é muito ruim, cruel e, se for levada a voto desse jeito, será derrotada”, complementa.
Relator
Em entrevista à imprensa logo após o anúncio do encerramento da sessão, o relator da PEC não garantiu que haverá modificações no parecer apresentado à CCJ. Ele disse, no entanto, que irá dialogar com o Poder Executivo, incluindo o secretário especial de Previdência, Rogério Marinho, e líderes das legendas.
“Nós vamos buscar sentar com todos os lideres partidários pra construir algo que verdadeiramente busque um consenso, ou pelo mesmo um consenso das maiorias, e que atenda aos interesses do parlamento brasileiro e da sociedade”, completou, despistando as críticas da oposição em torno do relatório.
Questionado se o adiamento da votação poderia ser considerado uma derrota do governo, Freitas negou. Num aceno aos bancos, principal setor econômico interessado na reforma, o relator disse ainda que o mercado já havia “sentido a possibilidade de que o adiamento ocorresse para a próxima terça-feira”.
Caso Freitas aceite modificações no parecer, um novo relatório poderá ser apresentado na terça-feira (23).
Sessão
Com forte resistência da oposição diante da possibilidade de avanço da PEC, a sessão da CCJ se deu, mais uma vez, sob intensos embates. Um dos principais deles ocorreu por conta da ausência de Marcelo Freitas na mesa da comissão durante as primeiras horas dos trabalhos no colegiado. Citando o regimento da Casa, diferentes parlamentares criticaram o relator e o governo.
“Como é que nós podemos ter certeza de que vai ter debate? Tem um conchavo interno comandado pelo presidente da Casa [Rodrigo Maia (DEM-RJ)], que quer votar [a reforma] a todo custo, inclusive mexer no mérito da proposta, sem que a comissão participe. É um núcleo mínimo de parlamentares que querem fazer isso pra esfolar os trabalhadores brasileiros e retirar direitos”, bradou o líder do PSOL, Ivan Valente (SP).
A crítica é uma referência à articulação de bastidor conduzida por Maia para acelerar a reforma e pensar eventuais alterações no texto a partir de acordos firmados principalmente com partidos majoritários do campo conservador. O presidente tem sido um dos principais atores na defesa da pauta dentro e fora do Congresso Nacional.
A respeito da ausência de Freitas na CCJ, o presidente da comissão, Francischini, respondeu que o relator havia marcado presença no colegiado e que precisava apenas estar na Casa, não tendo obrigação regimental de permanecer nos debates.
Fortemente criticado pelo campo da esquerda, Francischini também vetou a presença de cartazes na comissão, utilizados especialmente por parlamentares do PSOL e do PT para protestar contra a reforma.
“Estamos vivenciando uma normalização do absurdo, do arbítrio. Então, não é mais uma exceção. O arbítrio está se instalando. Como é que você quer proibir um parlamentar de portar um cartaz e fazer uma manifestação silenciosa? Cartazes que não sejam ofensivos, desrespeitosos, que expressem opinião fazem parte da liberdade de manifestação e opinião”, contesta a deputada Erika Kokay (PT-DF), uma das principais oposicionistas no jogo político em torno da reforma.
Além dos cartazes, Francischini também vetou a entrada de representantes da sociedade civil na CCJ durante os debates sobre a PEC 6, sob o argumento de que seria uma questão de segurança.
Edição: Aline Carrijo