Desde fevereiro, quando tomaram posse como deputadas estaduais, a rotina de trabalho de mulheres negras na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) é marcada por “constrangimentos”. Nos espaços de poder e decisões importantes, dominado historicamente por homens brancos, Dani Monteiro (PSOL), é categórica: “Corpos negros e femininos não são bem-vindos aqui”.
Só neste ano, três deputadas negras foram impedidas de usar o elevador exclusivo ou acessar entradas na Alerj, no Tribunal de Justiça (TJ) e até no Congresso Nacional. A deputada federal Talíria Petrone (PSOL) relatou nas redes sociais que foi barrada durante vários dias, inclusive no plenário do Congresso, em Brasília (DF).
“Eu uso broche e vou às sessões, como todo parlamentar. É difícil pra eles entenderem, mas nós, mulheres pretas, somos tão deputadas quanto os outros. Não aceito esse tipo de tratamento”, escreveu.
No Rio, apenas cinco dos 67 parlamentares em exercício até 2023 são mulheres negras. A jovem deputada Dani Monteiro, de 27 anos, cumpre o primeiro mandato e já teve seu carro pichado com mensagens intimidadoras no estacionamento da casa legislativa. No dia seguinte, ela registrou queixa na delegacia, no setor de segurança e também na presidência da Alerj. Aquele, porém, era seu primeiro dia de trabalho.
Além de causar “estranhamento” e ser barrada, ela também reclama do “tom paternalista”. Ser chamada de “menina” por colegas mandatários na Alerj é recorrente. “Em uma sociedade adoecida pelo machismo, é comum a tentativa de infantilizar mulheres”, analisa. “Não nos intimidam. Nosso mandato segue potente e participativo em todos os fóruns da casa”, conclui.
Racismo institucional
Para Mônica Francisco (PSOL), as instituições ainda resistem à presença de pessoas negras que não estejam em posição de subalternidade. Por isso, ela avalia que, para reverter esse quadro, é preciso superar o tabu do racismo com o conjunto da sociedade.
“O que aconteceu comigo por alguém que não me identificou enquanto parlamentar mesmo estando com broche [de identificação] é o menor. O grosso da população é negra e questionada quando circula em determinados espaços institucionais”, disse. Após presidir a primeira audiência da Comissão de Trabalho e Renda da Alerj, na última quinta-feira (11), ela também foi barrada na casa.
Diante dos casos com parlamentares do PSOL, os mandatos produziram em conjunto um Projeto de Lei (PL) para sugerir a formação antirracista dos funcionários públicos, comissionados, terceirizados e equipes técnicas. Mais do que protocolar uma lei, segundo Mônica, a ideia é implementar um projeto pedagógico no âmbito do Estado e provocar um entendimento mais amplo sobre discriminação.
“Isso é resultado das relações no Brasil que são cimentadas no racismo. Tem que haver um entendimento no conjunto mais amplo da sociedade de que pessoas negras estão ocupando espaços antes muito restritos a elas”, afirma.
Políticas públicas
Exercer o mandato com foco na participação e na redução das desigualdades também é o que pretende Dani Monteiro. Ela preside uma Comissão Especial inédita na Alerj, voltada para o diagnóstico e a elaboração de políticas públicas para a juventude fluminense.
Já Mônica entrou para história como a primeira mulher negra a presidir a Comissão de Trabalho e Renda, uma das mais importantes da Alerj. Na sua avaliação, o contexto dramático de desemprego e aumento da miserabilidade no Rio de Janeiro exige uma “radiografia” do estado.
“A distância entre ricos e pobres no Rio é 33% maior que no [restante do] Brasil. Entre as mulheres negras em estado de pobreza e desemprego é quase 20% a mais que mulheres brancas. O drama do estado também é das mulheres negras vivendo em espaços periféricos e favelados”, finaliza.
Edição: Vivian Virissimo