A eleição de Jair Bolsonaro representa o término do ciclo político iniciado com o fim da ditadura militar, até o golpe jurídico-parlamentar de agosto de 2016, que depôs a presidenta eleita, Dilma Roussef. O governo Temer dá início a um novo regime, de natureza autoritária, que desemboca na eleição de Bolsonaro.
Vivemos a partir daí um novo período político, marcado pelo ineditismo da ascensão de uma força de extrema-direita à presidência da República. Um governo determinado a realizar, a ferro e fogo, uma agenda ultraliberal, neocolonial e anticivilizatória. Tal feito representa uma derrota política, ideológica e estratégica para o conjunto das forças progressistas, patrióticas e democráticas, em especial, as forças da esquerda política e social.
Ultraliberal, pois não mede esforços para garantir lucros máximos aos capitalistas, mesmo que isso signifique retirar direitos, arrochar ainda mais os salários e destruir toda legislação que possa, minimamente, defender os trabalhadores. Neocolonial, pois o capital, especialmente o financeiro, não respeita fronteiras nem as leis das nações. Anticivilizatória, porque ataca e suprime os avanços conquistados na diminuição das diferenças de raça, cor e gênero, nas liberdades, nas artes e cultura, mergulhando o país num ambiente de intolerância, ódio, violência e obscurantismo.
Cabe agora aos democratas, patriotas, aos movimentos e às organizações em defesa de nosso povo, compreender como retomar a luta para botar o país no caminho da democracia, do desenvolvimento e da justiça social. E para tanto é importante procurar entender como se comportará o governo diante de um cenário internacional e de mudança. Isto tem importância porque esse cenário pode nos ser favorável, pode abrir perspectivas positivas ou submeter o Brasil à estratégia geopolítica estrangeira nos condenando a um papel subserviente.
O mundo vive um momento de transição geopolítica
Com o fim do bloco socialista, os Estados Unidos (EUA) se apresentaram como potência única. Mas já na virada do século, principalmente com o crescimento da China, cria-se ambiente propício a uma multipolaridade. Este movimento cresce com a retomada Rússia e a criação dos Brics. Em análise mais ampla, o mundo atual passa por mudanças de vulto, seja na base produtiva e tecnológica, seja na forma de dominação capitalista, seja nas relações de poder entre Estados-nações. É nesse contexto global que a tendência de decomposição estrutural da hegemonia dos Estados Unidos, ascenso de novos pólos de poder e crescente a multipolarização demarca o balanço de forças em movimento. A crise sistêmica do capitalismo de 2008 acentua o declínio americano. As disputas comerciais, principalmente entre China e Estados Unidos são a expressão mais visível de um novo redesenho geopolítico no mundo.
Desde 2011, ainda com Obama, os EUA buscam reverter a tendência de declínio de seu império. E já em 2017, no primeiro ano do governo Trump se anuncia a nova Estratégia de Segurança Nacional (SSN, na sigla em inglês), que em termos geopolíticos procura estruturar uma política de contenção à ascensão chinesa e relançamento da hegemonia dos Estados Unidos. Por seu lado, a República Popular da China estabelece e desenvolve a sua estratégia denominada China 2025, correlata com grandes iniciativas geoestratégicas como “Um cinturão, uma rota” — a nova rota da seda. Esse é um ambicioso programa mobilizador, voltado para atingir a supremacia tecnológica, resultante de um processo de inovação exponencial, em áreas decisivas das bases do poder mundial – Inteligência Artificial, Robótica industrial e Computação Quântica.
Renato Rabelo, presidente da Fundação Maurício Grabois, no texto publicado no portal “vermelho”, denominado, “os militares, a política e a geopolítica”, chega a afirmar: “(...) nesse curso mundial, as grandes potências iniciam uma era de competição pelo domínio dessas tecnologias que organizarão a base material nacional e o mundo. A chamada guerra comercial é a ponta do iceberg. Mas, o centro da nova guerra global é a supremacia e domínio dessas tecnologias críticas. Hoje, o fundamento nodal da geopolítica mundial são os padrões tecnológicos que adquirem as forças produtivas, que, por conseguinte, definirão as medidas de acumulação sistêmica do século atual, a capacidade de desenvolvimento econômico-social.”
E o Brasil nessa conjuntura internacional?
Retomando a atual situação do Brasil e compreendendo o conglomerado que se reuniu em torno da campanha e do governo Bolsonaro, vale especular: diante disto, como se situará nosso país? Até 2014, o país procurava um caminho autônomo nas relações internacionais e se beneficiava nas relações horizontais como entre os Brics, e nas relações sul-sul, se afirmando internacionalmente. Esse processo foi truncado com o golpe e agora sufocado com a política internacional de Bolsonaro, que se rende ao tacão norte americano.
É sabido que os setores presentes no governo não possuem um projeto comum de nação. Talvez, sequer um plano de governo. Têm interesse em diversas pautas retrógradas e o que mais os unifica são as medidas econômicas ultraliberais. Dentre estes setores, merecem atenção especial, os militares - o agrupamento do governo, mais organizado e disciplinado. O contingente militar dentro de cargos chaves do governo já é maior que durante a ditadura militar. Tal resultante coloca em jogo de vários modos, o prestígio das próprias Forças Armadas em caso de insucesso. Este risco pode tomar formas acentuadas, mesmo que, os militares da ativa, o Alto Comando incluído, não se considere parte do governo. O contingente de militares da reserva no governo mantém grande autoridade entre os comandantes da ativa. Vale também ressaltar que parte das elites que apoiaram a eleição de Bolsonaro, o fizeram ‘com um pé atrás’, devido ao desequilíbrio – que não é de hoje – e o primarismo do ‘capitão’ e sua família. Daí nutrirem esperanças nos militares para controle e garantia de que seus interesses prevaleçam.
Dessa situação surgem indagações, quais sejam: o presidente eleito conduz ou será tutelado? Bolsonaro enroscado em seus limites e constante desequilíbrio pode ser capaz de exercer plenamente a presidência da República? Ou poderá prevalecer uma forma de tutela que garanta a governança dentro de um rumo definido para o país? Ou o presidente apostará numa aventura autoritária? Os militares guardam alguma flama de projeto nacional?
Uma coisa parece certa: a guinada à direita e a subordinação aos interesses dos Estados Unidos (inclusive para suporte a uma possível aventura guerreira) se mostra inteiramente danosa aos interesses nacionais. Nessa quadra de transição e mudanças geopolíticas, o alinhamento e subordinação aos Estados Unidos põem uma pedra no caminho de um leque de oportunidades que se abria ao Brasil, nas relações com outros países, no comércio, na ciência e tecnologia. E abre as portas para o saque de nossas riquezas.
O que o Brasil precisa é de um projeto autônomo de Nação, liberto de qualquer subordinação. Um novo projeto nacional de desenvolvimento, democrático, popular, que recrie as bases para a superação das desigualdades e abre caminho para a construção solidária de uma sociedade de paz, progresso e justiça social.
* Secretário de Organização Estadual do PC do B e integrante da Frente Brasil Popular
Edição: Heloisa de Sousa