O Bastião nunca tinha visto aquilo, um veneno que ferve no copo
Hoje em dia aparecem novidades uma atrás da outra e a gente não se surpreende com nada.
Mas nos meus tempos de criança, numa cidadezinha perdida no Sul de Minas, qualquer novidade que aparecia deixava a gente de boca aberta.
Uma foi apresentada na venda do Zé Fernandes, onde desocupados sentados em latas de óleo ou sacos de batatas esperavam o tempo passar.
Aí entrou na venda o Bastião Ponte, um sujeito já com uns cinquenta anos, usado como moleque de recados por uma irmã. Reclamava muito dela, mas desta vez estava agitado, reclamando mais e mais alto que de costume:
— Olha, seu Zé, eu não aguento mais a Gioconda. É o dia inteiro “Bastião faz isso, Bastião faz aquilo”, não me dá sossego! Não aguento mais, eu quero é morrer pra descansar um pouco, é o único jeito! O senhor tem um veneno bom aí?
O vendeiro respondeu:
— É verdade, Bastião. A tua vida é ruim mesmo, vou te arranjar um veneno que é batata, mata mesmo.
O Bastião não esperava isso. Pensou que o vendeiro ia começar com aquela conversa de “não faça isso, calma...” e lhe dar uma boa dose de pinga. Mas em vez disso, o Zé Fernandes concordou com a sua vontade de se suicidar e até começou a procurar o veneno.
Ele começou a ficar incomodado e falou com um freguês da venda:
— Eu vou me suicidar!
— Também... Com uma vida ruim como a tua, tem que se suicidar mesmo — foi a resposta do freguês.
Quando ia falar com outro freguês, o Zé Fernandes lhe mostrou o veneno, num envelope escrito “Sonrisal”, dizendo:
— É um veneno novo, mata na hora!
Colocou o Sonrisal em meio copo d’água e ele começou a ferver. O Bastião nunca tinha visto aquilo, um veneno que ferve no copo! E dirigiu-se a outro freguês:
— Vou morrer. O Zé Fernandes tá preparando um veneno pra mim!
— Isso mesmo! Só assim a Gioconda para de te encher o saco — foi a resposta.
Foi de um em um, esperando um “deixa disso” pra dizer “tem razão” e se mandar rápido. Mas só recebeu estímulos para o suicídio. Já estava apavorado, quando Zé Fernandes chamou:
— Ô, Bastião, o veneno tá pronto. Vai beber ou não vai?
E deu-se o seguinte diálogo:
— Mas esse veneno mata mesmo?
— Ora, se mata! Quero até pedir pra você beber depressa e colocar imediatamente o copo no balcão. Não quero que você caia morto com o meu copo na mão e ele quebre, vai me dar prejuízo.
— Olha, seu Zé, eu tô muito nervoso mesmo, e com vontade de me suicidar, mas vamos fazer o seguinte: o senhor põe o copo numa prateleira bem alta, pras crianças não alcançarem, coloca um papel em cima pra não cair mosquito, que quando eu estiver mais nervoso ainda eu venho aqui beber.
Edição: Michele Carvalho