Moradora há 36 anos da Favela de Antares, zona oeste do Rio de Janeiro, Isabel Pereira não podia imaginar que o temporal da última segunda-feira (8) fosse inundar e causar tantos estragos em sua casa no bairro de Santa Cruz.
“Foi inexplicável, já teve chuvas piores e isso nunca aconteceu. Saí daqui com a água abaixo do meu peito, fiquei nervosa, só consegui tirar algumas peças de roupa das minhas crianças”, descreve Isabel, mãe de três filhos pequenos.
Na comunidade vizinha, conhecida como Pedrinhas, onde o irmão da dona de casa mora, o prejuízo também foi grande. Os moradores perderam móveis, eletrodomésticos, roupas. Tiveram que deixar tudo para trás. “A água estava no pescoço do meu irmão de quase 2 metros, foi tudo para o lixo”, disse.
Em fevereiro, quando a chuva também castigou a cidade do Rio e deixou ao menos seis mortos, nenhuma casa da região foi alagada. Desta vez, a enchente fez três vítimas fatais na zona oeste, Reginaldo da Silva que morreu afogado em Antares, um homem ainda não identificado no bairro Jardim Maravilha, em Guaratiba, e o vendedor Leandro Pereira Ramos, eletrocutado, também em Santa Cruz.
Vítimas
A estimativa oficial é de que a chuva de segunda-feira (8) deixou 10 pessoas mortas na zona sul e oeste do Rio. Mais de 780 pontos do município ficaram sem energia e diversos bairros completamente alagados. Até o fechamento desta reportagem, a Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos da Prefeitura do Rio ainda não tinha um balanço sobre quantas pessoas ficaram desabrigadas após a chuva.
Na Favela de Acari, zona norte do Rio, ainda há moradores sem luz. A comunidade se organiza como pode para receber doações de alimentos, produtos de higiene, colchão e cobertores. “Tem pessoas que já estão em estado difícil, muita gente desempregada, sofrendo e ainda perde o pouco que resta. Quase todo ano temos problema com enchente”, ressalta Luciana de Jesus França, moradora e dona de casa que faz parte da rede de solidariedade aos atingidos pela chuva em Acari.
Nem os animais escaparam da enchente. A ONG Focinhos de Luz, em Sepetiba, zona oeste, que resgata animais de rua há oito anos, teve que retirar uma parte dos cerca de 100 cães e gatos às pressas. “Só tivemos noção [do alagamento] na terça de manhã. A questão dos animais abandonados é de saúde pública”, declara Cláudia Abreu, membro da ONG.
Mutirões
Na Favela da Rocinha, zona sul, muitos moradores ainda não superaram as perdas causadas pelo temporal de fevereiro que resultou na morte de uma pessoa. Há registro de deslizamentos de terra e lixo acumulado nas vias que agravou ainda mais os alagamentos.
A comunidade também organizou mutirões para ajudar as famílias a limparem suas casas da lama. As doações estão concentradas na Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem e na Igreja Batista.
“As sirenes de emergência tocaram atrasadas, dos pontos de apoio que deviam ser de acolhimento das pessoas que moram em área de risco alguns nem funcionam mais. As famílias não confiam em nenhum lugar pra ir”, relata Gabriel Rolemberg, integrante do Brigadas Populares que atua na Rocinha desde fevereiro.
Respostas
Na última quarta-feira (10) aconteceu uma reunião de moradores na Rocinha para recolher reclamações e denúncias sobre as enchentes e depois apresentar na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que vai apurar as circunstâncias e consequências sociais dos temporais no Rio de Janeiro.
A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) conseguiu na última quarta-feira (10) uma liminar na justiça dando prazo de 72 horas para a Prefeitura do Rio apresentar todas as medidas adotadas para prevenir os danos causados chuvas da última segunda (8). A DPRJ também pediu que a Prefeitura instaure um gabinete de crise para combater o estado de calamidade e divulgar informações sobre atendimento para a população prejudicada. No prazo de 15 dias a Prefeitura deverá informar quais obras de drenagem, esgotamento sanitário e contenção de encostas realizou desde 2011, e também programas de urbanização e regularização fundiárias nas favelas.
Edição: Mariana Pitasse