Dizia maravilhas sobre Mussolini, sempre intercalando com louvações a Deus
Uma das coisas que me irritam é a mania de religiosos que querem impor sua religião aos outros. A igreja católica fez muito isso, mandando para a fogueira quem não era cristão. Os colonizadores da América impunham o catolicismo aos povos indígenas e matavam com crueldade quem não aceitasse se converter.
Hoje em dia ainda há seitas cristãs que continuam se metendo a donas da verdade e impondo sua religião aos índios, com ameaças e castigos. E, que ironia, dizem que o Deus deles é bom e justo.
Em meados dos anos 1970, eu estava em Manaus e chamei o amigo Márcio Souza, amazonense que ainda não era um escritor famoso, para ir ao Museu do Índio, comprar algumas peças na lojinha anexa. Ele chiou:
— Não gosto. O museu é de uma ordem religiosa que impõe sua religião aos índios.
Era uma ordem religiosa católica, mas como essas seitas que eu citei. Ele acabou indo comigo, mas sob protestos, contando pelo caminho o que se fazia para aculturação dos índios. Quando chegamos, fomos atendidos por uma freira velha, italiana, que nos tratou com a maior alegria. Pra começar, mandou um papagaio cantar, e a ave obedeceu:
— Louvando a Maria o povo fiel...
— Que gracinha! — aplaudiu a freira, mandando o papagaio cantar de novo.
Ficamos irritados, e falei baixinho, concordando com o que o Márcio tinha me contado:
— Veja o que a desgraçada fez com uma ave!
E pensei: "Vai ver que tratam os índios como esse papagaio, que canta sem saber o quê". Para completar, a freira falou do tempo em que morava na Itália. Dizia maravilhas sobre Mussolini, sempre intercalando cada frase com louvações a Deus. Expressões como Virgem Maria, Nosso Senhor Jesus Cristo e Mussolini ocupavam praticamente a metade de tudo o que falava.
Não aguentava mais as louvações da velha freira ao líder fascista, quando vi um fio de luz descascado, ligado a uma lâmpada acesa, num abajur. Fui mau, reconheço. Sem falar nada, encostei a parte descascada do fio a uma estante de aço. E cochichei pro Márcio:
— Essa velha fanática vai ter que falar uma blasfêmia.
Aí mostrei uma pequena escultura indígena na prateleira mais alta da estante e perguntei à freira quanto custava. Ela teve que se esticar para pegar a esculturazinha, e encostou a mão na estante. Foi um choque que ela pulou longe, gritando:
— Virgem Maria Santíssima!
Saímos dali decepcionados. Nem com choque a desgraçada falou palavrão!
Edição: Júlia Rohden