Representantes do Ministério Público Federal (MPF) visitaram o Conjunto de Favelas da Maré, na última quarta-feira (27). O objetivo da ação – a primeira realizada pelo órgão no Rio de Janeiro – foi conhecer de perto o local de moradia e as violações de direitos humanos pelas quais passam as populações de favelas.
Durante a atividade, enquanto acontecia uma reunião no Museu da Maré, os visitantes foram surpreendidos com uma operação policial “relâmpago” e vivenciaram na prática a falta de segurança com a qual os moradores lidam cotidianamente.
A investida contou com o apoio –de um helicóptero. Do alto, policiais atiravam com fuzis. Era dia de feira livre na favela do Parque União. A ação aconteceu por volta das 13h30. Moradores que mantiveram o anonimato relataram nas redes sociais o pânico e filmaram a ação.
“O braço do Estado chega apenas de forma violenta e não dá conta de garantir as nossas necessidades de moradia, saneamento, segurança, educação, entre tantas outras”, afirmou Flávia Cândido, moradora da Maré, durante as atividades com os representantes do MPF.
Aproximar realidades
Na primeira parte do encontro, os representantes apresentaram suas expectativas e explicaram a atuação do Ministério Público. “Queremos conhecer a Maré para entender melhor a dor que vocês sentem, pisar o chão que vocês pisam. E, a partir disso, atuar de maneira mais incisiva no acompanhamento de investigações de violações de direitos. Nosso papel principal é jogar luz sobre as violações de direitos humanos”, explicou Domingos Silveira, subprocurador-geral da República.
A procuradora regional dos Direitos do Cidadão, Ana Padilha, completou: “Nós trabalhamos em conjunto com o Ministério Público Estadual e atuamos nas causas federais ou quando há agentes federais envolvidos”. Como exemplo, ela citou a recente intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro. “Naquele caso, era muito clara a nossa função”, destacou.
Além do MPF, também participaram da atividade representantes da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), o Ministério Público Estadual (MPE), integrantes dos movimentos de favelas de dentro e fora da Maré, instituições da sociedade civil que desempenham atividades na Maré, familiares de vítimas da violência policial, advogadas populares e defensores dos direitos humanos.
Para Mariana Trotta, advogada popular do Centro Mariana Criola e professora da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal Rio de Janeiro (UFRJ), a visita do Ministério Público foi histórica. “São instâncias que normalmente ficam muito longe da realidade dos moradores de favela. Abrir-se para conhecer as violações e as potencialidades de cada lugar pode trazer um novo momento de questionamentos da política de segurança pública que tem sido implantada no Rio de Janeiro”. Apesar de saudar a iniciativa, a advogada também fez críticas. “Este encontro e visita deveriam ter acontecido durante a intervenção. E só estão acontecendo agora por pressão dos movimentos de favela”.
Balanço
No Museu da Maré, o grupo se reuniu para partilhar impressões da visita. Familiares de vítimas da violência do Estado, da Maré e de outras favelas, apresentaram o andamento de seus casos aos procuradores. A avaliação geral é de que desde janeiro aumentaram as operações com uso do helicóptero nas favelas cariocas. Outro diagnóstico foi o aumento de chacinas e de casos de auto de resistência em todo o Rio de Janeiro. Moradores da Maré, profissionais da educação, da saúde, integrantes de movimentos e organizações expuseram dados e depoimentos sobre as consequências destas operações policiais no cotidiano dessa favela que sofre historicamente com violações de direitos.
A única escola técnica de ensino médio situada em favela fez parte do percurso de visitação. Diretor do Colégio Estadual Professor João Borges de Moraes, Marcelo Belfort é histórico morador e militante da Maré. “Já no início dos anos 80 eu, aos 15 anos, fazia parte das primeiras articulações dos moradores em busca de cidadania. É o que seguimos buscando. Esta escola ainda funciona em condições precárias. Nosso abastecimento de água era feito por caminhão pipa até semana passada. Temos uma rede elétrica ainda improvisada”, disse.
O diretor, apesar de apontar os problemas ainda existentes, reconheceu o esforço de toda a comunidade escolar e também de setores do governo estadual em busca de melhorias do espaço. “Aqui trabalhamos com o conceito de educação pública, gratuita, universal, de qualidade e que seja também comunitária. O diálogo com instâncias do governo estadual possibilitaram avanços nesse sentido. Aqui é lugar de violações, mas, sobretudo, aqui é lugar de potências”, finalizou.
Uma escola municipal também fez parte do roteiro do Ministério Público Federal: o CIEP Operário Vicente Mariano. Lá, os alunos falaram sobre a falta de segurança e o medo vivido quando há operações policiais. Relataram que muitas das operações são feitas em horário escolar, na hora de entrada e saída das aulas. Pontuaram, ainda, o grande número de aulas perdidas em dias de operações policiais.
Bruna Silva, moradora da Maré e mãe do estudante Marcus Vinícius, de 14 anos, assassinado no ano passado durante operação policial, destacou a importância da visita. “Eles precisam ver de perto o que a gente na favela sofre por causa das operações. Precisam saber que as escolas e postos de saúde ficam fechados por horas e até dias depois de uma operação”, afirmou. Ela destacou o adoecimento dos moradores gerado pelo pânico dos disparos do helicóptero. “Nossas ruas estão cheias de marcas de bala. Meu filho só queria estudar, mas um tiro o acertou. Estou aqui lutando pelo futuro dessas crianças da Maré, eles precisam ter seu futuro garantido”, disse.
Para Mariana Rodrigues, integrante da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, estar onde estão as demandas é vital para o trabalho da comissão e para a sensibilização do órgão na defesa dos direitos e no atendimento às vítimas de violações. “É fundamental que as estruturas de poder que atuam com direitos se engajem em ações deste tipo. Que saiam de seus castelos institucionalizados. É preciso conhecer a realidade de quem demanda nosso atendimento”, afirmou.
Edição: Mariana Pitasse