Cerca de 300 lideranças de sete movimentos populares ligados à luta por moradia fizeram um ato nesta terça-feira (12), em Brasília (DF), em defesa do Minha Casa, Minha Vida (MCMV), programa criado em 2009 para subsidiar a compra de imóveis para pessoas de baixa renda.
A caminhada, que terminou na porta do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), pasta responsável pela política de habitação, teve como eixo central a cobrança pela contratação de 36,1 mil unidades habitacionais do Minhas Casa, Minha Vida - Entidades (MCMV-E). O número engloba 8,6 mil imóveis urbanos e outros 27,5 mil rurais em diferentes regiões do país.
O MCMV-E é uma das modalidades da faixa 1 do programa, que atende a população mais pobre, com renda entre R$ 0 e R$ 1.800.
De acordo com os movimentos, as unidades haviam sido prometidas pelo governo federal no ano passado, mas a construção não foi iniciada. Para atender a reivindicação das organizações, seria necessário investir cerca de R$ 1,6 bilhão.
A militante Evaniza Rodrigues, da União Nacional por Moradia Popular (UNMM), ressalta que uma das preocupações dos movimentos diz respeito ao prazo-limite do processo -- que se encerra no dia 31 deste mês. Ela conta que, em meados de 2018, as organizações haviam apresentado à Caixa Econômica Federal a documentação das famílias aptas a serem contempladas pelo projeto, mas o processo paralisou durante o governo de Michel Temer (MDB).
A militante acrescenta que a gestão de Jair Bolsonaro (PSL) ainda não teria dado sinalização a respeito da liberação da verba. “Nós percebemos que não há uma prioridade para as famílias de mais baixa renda. Se o governo não fizer, essas famílias não terão acesso a nenhuma outra política”, lamenta.
A faixa 1 do ‘Minha Casa, Minha Vida - Entidades’ (MCMV-E) é destinada a famílias que, por falta de condições financeiras, têm mais dificuldades de acessar programas de crédito para o financiamento de uma casa própria. É o caso da aposentada Maria Joselita Dias da Silva, de 66 anos, que veio de Guarulhos (SP) para participar do ato em Brasília.
Pensionista do INSS, ela relata que vive com um salário mínimo e não tem condições de pagar o aluguel da casa onde vive. Por conta disso, depende de ajuda da filha para o custeio da locação. A aposentada está há oito anos na fila do programa.
“Se não fosse minha filha, hoje eu estaria morando debaixo de um viaduto. A gente se sente não muito bem, porque eu gostaria que já tivesse saído [o imóvel], e não saiu. Estou na luta e vou lutar até receber minha casa. Não vou desistir”, desabafa.
Diálogo
O militante Raimundo Bonfim, da coordenação nacional da Central de Movimentos Populares (CMP), sublinha que as organizações questionam a falta de um canal de diálogo com o governo. Ele acrescenta que, tradicionalmente, os segmentos populares participam dos debates relacionados às políticas habitacionais do país, e que essa cultura de relacionamento com o Estado foi interrompida na gestão de Temer, com o desmonte do Conselho Nacional das Cidades.
No ano passado, o Decreto 9.076/2017 transferiu as competências do órgão para o Ministério das Cidades, que a partir de então pôde tomar decisões sobre a política habitacional sem necessidade de consulta ao órgão e à Conferência Nacional das Cidades -- que estava prevista para o ano passado e não foi oficialmente realizada.
Com as alterações administrativas de Bolsonaro, o Ministério das Cidades foi extinto e as atribuições da pasta foram repassadas para o novo Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR). Raimundo Bonfim afirma que os movimentos populares têm tentado marcar uma audiência com o ministro, Gustavo Canuto, mas ainda não tiveram retorno oficial a respeito dessa agenda.
“É um sentimento que, para nós, não é novidade, porque já esperávamos desde a época da campanha que esse seria o tratamento do governo Bolsonaro para com os movimentos populares. É zero o diálogo. Estamos aqui dando um pontapé inicial no sentido de que só com muita mobilização a gente vai conseguir fazer com que o governo atenda minimamente reivindicações”.
Segundo Bonfim, o protesto desta terça aglutina outras pautas relacionadas à habitação, como o ajuste orçamentário para a continuidade do MCMV-E (MCMVE) e do Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR).
“Aproveitamos esse momento pra denunciar o desmonte das políticas sociais, a destruição da Previdência, que vai atingir a nossa base social. Então, estamos vinculando essa reivindicação concreta pela moradia a essas questões gerais que estão sendo objeto de retrocesso e de tentativa de aprovação por parte do governo Bolsonaro”, finaliza.
O protesto reuniu militantes de diferentes estados, como Rio Grande do Sul, São Paulo, Goiás, Paraíba e Distrito Federal. Além da UNMM e da CMP, estiveram presentes lideranças das seguintes organizações: Confederação Nacional de Associações de Moradores (CONAM), Movimento de Luta de Bairros e Favelas (MLB), Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM) e Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
Governo
O Brasil de Fato procurou ouvir o Ministério das Cidades a respeito da pauta das organizações. Por meio da assessoria de imprensa, a pasta informou que o secretário nacional de Habitação, Celso Matsuda, recebeu os manifestantes em seu gabinete na tarde desta terça-feira para tratar das demandas.
A respeito das reivindicações dos movimentos populares, a assessoria afirmou que o MDR teve o “limite de pagamentos” ampliado para R$ 450 milhões por meio da Portaria 105/2019, publicada este mês.
“Vale destacar que neste ano o MDR liberou R$ 100 milhões para o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que atende as Faixas 1,5 e 2 do Programa. E outros R$ 200 milhões foram repassados para o Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), uma das modalidades do Faixa 1 do MCMV. Na última semana, foram disponibilizados, também, R$ 33 milhões para o PNHR”, acrescenta a nota.
A pasta informou que está concluindo, juntamente com a Caixa Econômica, o “levantamento das faturas com pagamento em aberto e que estão aptas a receberem recursos” e que a expectativa é sanar as pendências financeiras do programa no decorrer do mês de março.
Por fim, o Ministério afirmou que “vem trabalhando para aperfeiçoar a Política Nacional de Habitação, o que inclui o Programa Minha Casa, Minha Vida - prioridade do Governo Federal”, e que o objetivo seria integrá-lo às demais políticas de governo, com foco “na qualidade do ambiente construído e em estratégias acopladas ao desenvolvimento”.
Edição: Daniel Giovanaz