Com membros de sua família no alvo de investigações da Justiça, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) compartilhou mais uma notícia falsa (“fake news”) em sua conta no Twitter. Na postagem, ele acusa a jornalista Constança Rezende, do jornal O Estado de S.Paulo, de tentar arruinar a vida de seu filho, Flávio Bolsonaro (PSC). A repórter foi uma das primeiras a noticiar as movimentações financeiras suspeitas que envolvem o senador e seu motorista, Fabrício Queiroz.
A coordenadora do programa de proteção e segurança da organização não-governamental Artigo 19, Júlia Lima avaliou, em entrevista à apresentadora Denise Viola, do Programa Brasil de Fato RJ, que a atitude de Bolsonaro não apenas tenta deslegitimar o trabalho sério da imprensa, mas também cria uma “cortina de fumaça” para esconder o que é de interesse público.
“Bolsonaro traz um grande descrédito para a imprensa, deslegitima o trabalho de apuração de notícias e o trabalho do jornalismo, que é a checagem de informações, não só ao compartilhar informações falsas, mas também ao atacar o jornalismo sério. Isso cria uma cortina de fumaça para as verdadeiras informações que deveriam estar sendo questionadas”, afirma Júlia Lima.
Segundo a integrante da Artigo 19, a mesma “cortina de fumaça” já havia sido criada durante a campanha eleitoral, em outubro, quando a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo, mostrou que empresários financiaram envios em massa de mensagens anti-PT pelo WhatsApp. À época, Bolsonaro expôs a repórter, que passou a sofrer ameaças nas redes sociais.
Segundo a agência Aos Fatos, que checa a veracidade de informações, Jair Bolsonaro deu 82 declarações falsas em menos de 90 dias de governo. No caso envolvendo a repórter do Estado de S.Paulo, no último fim de semana, o presidente compartilhou um áudio baseado em uma falsa entrevista com cortes de edição que davam outro sentido ao conteúdo. No Twitter, Bolsonaro também publicou o nome do jornalista de O Globo Chico Otávio, pai de Constança e repórter que vem apurando o crescimento das milícias no Rio de Janeiro e o envolvimento do crime organizado com políticos locais.
Em seu blog, o jornalista Ruben Berta informou que Fernanda de Salles Andrade, a autora do texto do site “Terça Livre”, que promoveu a difamação da repórter de O Estado de S.Paulo, foi nomeada no início de fevereiro para um cargo no gabinete do deputado Bruno Engler (PSL-MG) -- mesmo partido de Jair Bolsonaro e de seus filhos.
Entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e outras entidades ligadas ao jornalismo condenaram as tentativas de Bolsonaro de intimidar jornalistas e tentar interromper o trabalho da imprensa.
“Isso mostra não apenas descompromisso com a veracidade dos fatos, o que em si já seria grave, mas também o uso de sua posição de poder para tentar intimidar veículos de mídia e jornalistas, uma atitude incompatível com seu discurso de defesa da liberdade de expressão. Quando um governante mobiliza parte significativa da população para agredir jornalistas e veículos, abala um dos pilares da democracia, a existência de uma imprensa livre e crítica”, diz um trecho da nota da Abraji.
Edição: Mariana Pitasse