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Arte e cultura marcam novas lutas do povo mapuche no Chile

A dominação colonial que sofremos também marca uma dominação social

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Ato de indígenas mapuche em Santiago, capital chilena, em 2017
Ato de indígenas mapuche em Santiago, capital chilena, em 2017 - AFP
A dominação colonial que sofremos também marca uma dominação social

Mais de cinco séculos marcam a trajetória de resistência do povo indígena mapuche no território do Chile. Se no século 16 eles lutaram contra a invasão colonial espanhola ao território latino americano e pela autonomia de suas terras, hoje permanecem organizados contra a criminalização de seus dirigentes políticos.

Ao longo do tempo, a violência contra o povo mapuche segue registrando casos. De acordo com levantamento do site Werken Notícias, 15 indígenas mapuche foram assassinados ao longo dos governos democráticos no país, em um período de 20 anos. O último caso registrado é o de Camilo Catrillanca, 24, neto de uma liderança mapuche e morto com um tiro na cabeça pelas forças policiais em 14 de novembro do último ano.  

Na contramão deste cenário, diferentes formas de enfrentamento foram desenvolvidas pelos mapuche. O historiador e professor pela Universidade do Chile Rodrigo Huenchún explica que a cultura tem sido cada vez mais apropriada como manifestação política.

"O novo contexto, em particular marcado pelo acentuamento da violência que sofremos na sociedade chilena, politiza também a expressão artística. Não é apenas manter a herança cultural que herdamos dos nossos antepassados por gerações, que também são valiosas, mas também ressignificá-las com as novas lutas que temos hoje", afirma.

O professor defende que que pensar a organização destes indígenas exige um ponto de partida: a compreensão de que os mapuche vivem uma dominação cultural por parte da sociedade e do Estado chilenos.

"Essa dominação colonial que sofremos também marca uma dominação social, epistemológica. A sociedade mapuche se viu desestruturada em todos os sentidos, desraigada de suas dinâmicas próprias, invisibilizada, discriminada, marginalizada, ignorada", defende o Huenchún. "Em particular, perdemos a língua, o contato com nossas famílias que continuam lá, perdemos até nossos direitos de herança sobre nosso território", completa.

Mapuche-warriache, hoje Rodrigo vive em Santiago, capital chilena — uma realidade comum a muitos indígenas. Segundo nos conta, da população mapuche, que representa 9% da população total chilena, apenas um terço vive em seu território histórico, ao sul do país, conhecido como Araucanía. O restante divide-se entre Santiago e outras cidades. "Portanto, mencionamos que somos um povo em diáspora."

Vanguarda da resistência

Já na época da violenta ditadura militar chilena, o povo mapuche se apropriou da cultura como forma de resistência. Uma das principais organizações populares criadas foram os Centros Culturais Mapuche, em 1978, que lutavam, entre outras coisas, contra a separação de terras indígenas — e a consequente desarticulação de sua luta — promovida pelo governo ditatorial de Augusto Pinochet (1973 - 1990).

No período, 171 indígenas mapuche foram assassinados pela ditadura, segundo mostra o Informe Final trabalho de investigação de executados e desaparecidos pertencentes à Nação Mapuche, concluído em 2016.

Segundo o historiador, um dos desafios hoje é ressignificar o próprio conceito de cultura mapuche. "Por muito tempo, as manifestações culturais ou artísticas mapuche foram consideradas como apenas isso, como uma expressão de um povo arcaico, que mantém suas manifestações, mas como uma curiosidade arqueológica."

De toda a diversidade que possui, a manifestação cultural mais conhecida desses indígenas é sua escrita. Multiplicam-se no país os centros de poetas e poetisas mapuche. Alguns nomes a serem conhecidos são os de David Aniñir, Roxana Miranda e Elisa Loncon.

David Aniñir Guilitraro, gestor cultural e poeta mapuche (Foto: Reprodução)

Outro nome historicamente conhecido é o de Elicura Chihuailaf, precursor da poesia e da prosa mapuche. Hoje aos 67, ele traz em sua trajetória a militância para espalhar a arte escrita mapuche e a publicação de livros como Recado Confidencial aos Chilenos, de 1999.

Na prosa, também se destaca Javier Milanca Olivares, autor de Xampurria. Lançado em 2015, o livro fala sobre a resistência dos mapuche que ainda vivem em seus territórios tradicionais e aqueles que foram forçados a migrar para os grandes centros urbanos.

Já na música, diferentes gêneros se mesclam para cantar a palavra do povo indígena mapuche. Rodrigo conta, no entanto, que um deles tem se destacado: o hip hop. Mesclando o idioma mapuche, conhecido como mapudungun, com o espanhol e outros idiomas, as músicas mesclam a urbanidade e o dia a dia tradicional dos indígenas.

"É um som urbano, onde está concentrada a maior parte da população, e aproveita essa massividade para passar mensagens claras e políticas", descreve o historiador. Nomes como o da banda Wechekeche ñi Trawün se destacam.

Mulheres mapuche

Rodrigo explica que a luta mapuche, hoje, é marcada pela reivindicação de direitos políticos, mas também por outras dinâmicas sociais. A arte, sendo assim, acompanha essas mudanças, e assim como pressiona a sociedade chilena, também quer pressionar a própria sociedade mapuche. A principal pauta, segundo nos conta, é a feminista.

"Não há que se iludir: a sociedade mapuche, fundamentalmente a tradicional e a campesina, mas não apenas isso, é propriamente machista. Então, dentro das dinâmicas e demandas políticas que se podem pensar hoje está a quebra dessas dinâmicas machistas e patriarcais", diz.

Por muito tempo entendidas como personagens secundários da luta mapuche, hoje diversas artistas ecoam suas vozes para protagonizar as mulheres de seu povo. É o caso da cantora Daniela Millaleo e das poetas Graciela Huinao e Roxana Miranda Rupailaf, por exemplo.

Representando a luta das mulheres indígenas, a indignação com a violência histórica das forças policiais e um guarda-chuva de outras reivindicações, a arte se consolida cada vez mais como vanguarda das novas luta mapuche no período atual.

Edição: Júlia Rohden