Todos os dias, grande parte da população de São Paulo cruza a cidade para chegar ao trabalho. O trajeto de ida e volta inclui passar horas no transporte público e agora, com mudanças no Bilhete Único implementadas pela prefeitura da capital paulista a partir desta sexta-feira (1), o trabalhador pode ser ainda mais prejudicado.
A principal alteração feita pela gestão do prefeito Bruno Covas é o corte no subsídio que a prefeitura dá aos empregadores para o pagamento do vale-transporte aos empregados, benefício previsto na legislação trabalhista para quem tem carteira assinada.
Anteriormente, o passageiro que recebia o vale-transporte podia fazer quatro embarques em ônibus diferentes durante período de duas horas pagando apenas uma passagem, com a tarifa de R$ 4,30.
Também era possível embarcar em até três ônibus e fazer integração com o trem/metrô, pagando um acréscimo de R$3,65. Agora, com as alterações de Covas, pagando uma tarifa, o passageiro poderá fazer no máximo dois embarques em ônibus em um período de três horas. Ou ainda pegar apenas um ônibus com integração de metrô/trem, pagando o mesmo acréscimo.
Com a suspensão da verba, os trabalhadores que moram nas zonas periféricas da cidade e que pegam um número maior de conduções, correm o risco de ter que pagar as passagens excedentes de seu próprio bolso.
Márcia Cristiane Silva Reinaldo, de 46 anos, faz parte das centenas de trabalhadores que terão o benefício reduzido. Moradora do bairro de Itaquera, na zona leste de São Paulo, há 3 anos trabalha em um centro de saúde para idosos na Casa Verde.
Ela conta que, quando não há trânsito, o trajeto de sua casa para o trabalho é de, em média, 2h30min.
Cotidianamente, Márcia utiliza duas linhas de ônibus e o metrô, ou seja, agora seu trajeto não se enquadra no que está previsto em seu vale transporte.
"Terei que pagar uma condução sozinha, o valor inteiro. Esse impacto vai ser pros trabalhadores, principalmente, porque além de adquirirmos mais uma condução, não sabemos se a empresa vai querer pagar essa condução", afirma a assistente social.
"Vou conseguir pegar o metrô e o ônibus mas a empresa ainda não me informou se eles vão conseguir pagar a outra passagem. Ainda está sendo discutido. Na situação da empresa não conseguir mais pagar o valor todo, total do transporte, a pessoa pode perder o emprego. Vai ser muito ruim pros trabalhadores”, diz Márcia, preocupada.
Apesar do receio da assistente social e de tantos outros trabalhadores, Thiago Barison, advogado trabalhista, explica que a legislação prevê que um empregado não pode gastar mais de 6% de seu salário com transporte para ir ao trabalho, cabendo ao empregador subsidiar a locomoção.
“Há relatos que empregadores falam que não vão pagar a diferença, que o problema é do trabalhador, mas isso é ilegal”, destaca Barison. “Ao diminuir o direito a integrações, o que vai acontecer na prática, é que tornaram-se mais caras as passagens para os trabalhadores que recebem o vale transporte. Só que a lei coloca um limite de desconto do salário do trabalhador. O que passar disso, fica por conta do empregador”, reitera.
Em nota enviada ao Brasil de Fato, a Prefeitura de São Paulo declarou que “está deixando de pagar uma conta que cabe ao empregador” e que, no caso de quem necessitar fazer mais do que dois embarques por sentido, o empregador deverá conceder mais créditos para o trajeto do funcionário. A medida valerá para cerca de 8% dos usuários do vale-transporte, ou seja, 120 mil pessoas.
No entanto, outros trabalhadores entrevistados pela reportagem acreditam que serão prejudicados pelo corte do subsídio.
“Até no processo seletivo eles já perguntam quanto tempo demora, quantas conduções se gasta [para chegar ao trabalho]. As empresas não vão querer pagar mais caro. Mais uma vez o trabalhador sai perdendo”, lamenta Lucas Kelson, que trabalha como assistente administrativo. “Sempre os trabalhadores são os afetados e mais uma vez a população não é ouvida. Geralmente quem faz essas alterações não pega transporte público, não sabe o que é pegar mais de três ônibus”, critica o jovem de 21 anos.
Barison concorda que o efeito dos cortes pode chegar aos trabalhadores, apesar da lei. Devido ao maior custo com o vale transporte, as empresas podem passar a oferecer postos informais de trabalho, sem benefícios, ou ainda discriminar aqueles que moram em regiões mais afastadas da cidade durante processos de seleção.
“O patrão vai pensar que custa mais caro um empregado que mora longe por ter que pagar mais para que ele chegue até o local, então não vai contratá-lo. Os empregadores, pela regra de mercado, vão buscar pessoas que moram menos longe. Ou então, o trabalhador vai aceitar, nessa situação de desemprego, pagar sua própria passagem. Isso é tirar dinheiro das pessoas para passar pro setor de transportes”, ressalta o especialista.
Maria das Montanhas, que trabalha na área de limpeza de um shopping da grande São Paulo, demora 1h30min para chegar ao trabalho e pega quatro ônibus para chegar mais rápido. Ela também teme ter que pagar as passagens excedentes, o que prejudicaria muito seu orçamento mensal.
“Quem sofre é a gente, eles não estão nem ai. Eles têm carro e a gente não tem. Dependemos da condução e a condução já está cara, pegamos ônibus lotados, e eles ainda fazem isso com nosso bilhete. Tá errado”, afirma Maria, que já planeja fazer parte do trajeto a pé para não pagar passagens a mais.
Edição: Mauro Ramos