O 8 de março se aproxima e as movimentações para a primeira ofensiva do povo brasileiro contra o projeto neoliberal e autoritário do presidente Jair Bolsonaro (PSL), também. Diante desse quadro, fomos conversar com a militante feminista Marcella Arbia. Ela é componente da Marcha Mundial das Mulheres, integrante da Frente Brasil Popular na Paraíba e é assessora parlamentar da deputada estadual, Estela Bezerra (PSB). Italiana de origem, Marcella vive no Brasil há mais de 20 anos e aposta na organização unificada das mulheres para enfrentar a ofensiva da extrema-direita, ocasionada pela reorganização do sistema capitalista, no mundo todo.
BdF - Nesse 8 de março, porque as mulheres vão para as ruas?
Marcella Arbia - Desde o governo Temer, instalou-se no Brasil uma onda neoliberal, agora acentuada com a eleição de Bolsonaro. A onda neoliberal e conservadora tem como objetivo a retirada de direitos da população, sobretudo a mais carente e os segmentos mais precarizados, como as mulheres. Temos presenciado um retrocesso social muito grande que nos levou a um atraso de cerca 50 anos, e hoje vemos a necessidade de voltar a lutar por direitos que, até 2015, achávamos óbvios e consagrados.
Por esse motivo, as mulheres voltaram a ter que lutar, não para mais avanços ou melhoria das políticas, mas por direitos básicos adquiridos e hoje perdidos ou próximos a serem perdidos. Nesse sentido, queremos lembrar que a Reforma Trabalhista, entre outras coisas, precarizou o trabalho, fragilizando diretamente o acesso das mulheres que precisam de horários certos e garantias para poder cuidar dos filhos e da família. A Reforma da Previdência quer aumentar a idade mínima para a aposentadoria e as mulheres é que serão as mais atingidas, considerando que trabalham mais do que os homens, devido à jornada doméstica. A reforma da educação busca incentivar a educação à distância, restringindo às mulheres ao mero trabalho doméstico e de cuidados com os filhos, assim elas não terão mais espaço externo de estudo. É por conta desse cenário, que, esse ano, as mulheres vão às ruas para reivindicar os direitos básicos que estão sendo retirados e para mostrar a posição delas em favor da Democracia e contra as privatizações que matam (basta olhar para Brumadinho), contra os grupos de extermínio e pela liberdade do preso político, símbolo de resistência e justiça social no Brasil, que é o Lula. E nessa jornada é necessário todas e todos juntos nas ruas lutando pela vida acima do lucro.
Qual o impacto do aumento do tempo de aposentadoria para mulheres de 55 para 62 anos? Por que Bolsonaro alterou apenas esse critério para as mulheres?
Muita discussão em torno da idade mínima da aposentadoria das mulheres. Há quem diga que as mulheres vivem mais, portanto, ela é a mais beneficiada com a atual previdência, pois acessam à aposentadoria mais cedo e recebem salários durante mais tempo. Conforme provado, a mulher trabalha, no mínimo, 50 minutos a mais, diariamente, do que os homens. Na verdade, ela desenvolve de 2 a 3 jornadas de trabalho diárias, considerando os cuidados com a casa, as crianças, o próprio marido (se for o caso) e, às vezes, com os idosos da família. Isso acontece desde cedo, quando criança, as meninas são solicitadas a fazerem os afazeres de casa, cuidar dos irmãos mais novos e dar atenção a família. Sendo assim, as mulheres começam a trabalhar e a ter responsabilidades muito mais cedo, mas começam a receber mais tarde e menos. Uma reforma como esta proposta por Bolsonaro, é reconhecer que os danos ulteriormente a vida das mulheres, retirando mais ainda o tempo delas, tirando forças, obrigando-as a trabalhar para o resto da vida. Isso terá consequências na saúde mental e física e vai levá-las a um descompasso que irá refletir na sociedade. Enfim, podemos afirmar que a 'suposta' dívida da previdência será paga pelas mulheres.
Por que existe um ataque, partindo de várias instituições brasileiras, às questões de gênero?
Por que atacar as mulheres? Porque isso aconteceu desde a Idade Média com a caça às bruxas. Porque as mulheres são símbolo de vida, se posicionam, resistem, denunciam as desigualdades do viver e enfrentam as contradições da produção do viver. Para o projeto capitalista neoliberal, as mulheres devem ficar em casa tomando conta da família, dos filhos, dos idosos, pois só assim é possível permitir, sem grandes reações populares, a retirada de políticas públicas (com a diminuição do tamanho do Estado), de saúde (retirada dos Mais Médicos, corte no Programa Farmácia Popular, fechamento de postos de saúde), educação (fechamento de escolas, educação à distância, retirada das questões do estudo de gênero nas escolas), e assistência (corte no BPC, 57 milhões de cortes no Bolsa Família, acabou com o Consea), etc.
O que mais oprime as mulheres: as ruas, a casa ou a política?
O que nos oprime é uma hegemonia cultural, onde nosso lugar é relegado aos cuidados, ao que se refere à casa. Nas ruas, nosso corpo pode ser objeto de cantada, estupro, violência. Em casa, somos vistas como desequilibradas. Na política, dificilmente conseguimos um lugar de destaque e de liderança e somos nós a perder direitos na política. Mas, acho que a casa se reveste de um papel importante, porque reproduz as dinâmicas de tudo o que acontece fora. Em casa, as mulheres podem ser violentadas, mortas, marginalizadas, podem não conseguir tomar decisões. No entanto, a casa deveria ser um lugar que representa aconchego, segurança, descanso e bem-estar e nem sempre é assim para as mulheres, às vezes, é o lugar onde ocorre a violência mais dura.
Edição: Heloisa de Sousa