Durante a campanha eleitoral de 2018, o vídeo vazado de um dos filhos de Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro, comentando a possibilidade de fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) com apenas “um soldado e um cabo”, causou desconforto entre os integrantes da Corte.
O atual presidente da mais alta instância do Judiciário, Dias Toffoli, tem falando em “pacto nacional em defesa das reformas”, como a da Previdência, e a retirada da Corte das discussões “políticas”. Ao mesmo tempo, pautou o julgamento, ainda em curso, sobre a criminalização da homofobia, tema que desagrada um dos pilares de sustentação político-ideológica de Bolsonaro: a bancada do fundamentalismo cristão.
Para especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato, nos próximos quatro anos o STF deve se equilibrar entre a tentativa de não criar tensões com o Executivo e manter algum tipo de autonomia, com o primeiro ponto sendo mais importante que o segundo.
Frederico Almeida, professor de Ciência Política da Unicamp, aponta que o Supremo esteve no centro do debate político nos últimos anos e, com a gestão da ministra Cármen Lúcia, que considera “desastrosa”, teve sua imagem institucional “muito fragilizada”.
Para ele, as sinalizações de Toffoli vão no sentido de evitar o conflito direto com o governo, “ou não discutindo [temas polêmicos] ou quando discutir, não pegando o governo de surpresa”. Entre a acomodação e a autonomia, a tendência é que o Supremo tenha posições variadas sobre as pautas do governo. “Tentar mediar, tentar ser favorável às matérias do governo em geral, principalmente em matéria criminal e de reforma econômica, mas, de outro lado, talvez colocar alguns limites em algumas matérias de direitos fundamentais e liberdades básicas”, analisa.
Concretamente, exemplos dos três grupos são, respectivamente, o pacote formulado pelo ministro da Justiça Sérgio Moro, a proposta de reforma da Previdência e, no último segmento, a liberdade de cátedra em universidades e escolas e a possibilidade de criminalização da homofobia.
Neste sentido, em relação às liberdades civis, Renan Quinalha, professor de Direito da Unifesp, entende que conquistas recentes da população LGBT não estariam ameaçadas, ao menos em um primeiro momento, concordando que o Supremo possivelmente não assumirá outras frentes de tensão.
“Direito de casamento civil homoafetivo, direito de pessoas trans, que são decisões do Supremo unânimes ou com maioria expressiva, eu acho que não tem chance do STF não reagir caso Bolsonaro tente passar uma lei, ou sancione algo contrário. Acho que essas coisas tendem a cair, o Supremo vai assumir uma postura de rebeldia, caso contrário a Corte vai perder sua autoridade”, afirma.
Armando Boito, também professor de Ciência Política da Unicamp, concorda com a ideia de que o STF deve chancelar direitos e liberdades civis, e fazer pouco em relação a outros temas, mas faz uma ressalva: em caso de fechamento de regime, ou seja, de iniciativas de governo para restringir os mecanismos da democracia liberal, não se deve contar tanto com a Corte. Em sua opinião, o Tribunal se colocou sob a tutela militar ainda ano passado, quando as Forças Armadas retornaram de forma evidente ao jogo político.
“O grande episódio foi no 4 de abril de 2018, quando o comandante do Exército veio a público e ameaçou abertamente o STF para que eles não concedessem o habeas corpus do Lula. Isso, em uma democracia burguesa, é impensável. No governo Bolsonaro, eles [militares] estão cada vez mais controlando, com participação direta”, diz.
A bengala e o pijama
Uma das possíveis tensões entre governo e Supremo a se desenrolar em um futuro próximo se encontra em um dispositivo da proposta de reforma da Previdência encaminhada pelo Executivo ao Congresso.
Hoje, a Constituição define a idade para aposentadoria compulsória no serviço público, que inclui os ministros do Supremo. O patamar é de 75 anos. A PEC da Previdência, encaminhada ao Legislativo, entretanto, modifica o artigo 40 da Constituição, remetendo à lei complementar a definição da idade máxima. Ou seja, se hoje é necessário quorum qualificado para modificação, caso esse ponto da reforma seja aprovado, bastaria maioria simples. Iniciativas nesse sentido já existiram para estender tal prazo, vulgarmente chamada de PEC da Bengala, ao passo que parte da situação no Congresso chegou a cogitar uma em sentido inverso, a PEC do Pijama.
Em tese, o mecanismo permitiria o aumento da idade para aposentadoria em geral de forma mais simples. Em relação ao Supremo, entretanto, o aumento ou diminuição do patamar etário pode ter impacto direto na composição da Corte.
Enquanto Bolsonaro tenta aumentar a idade para o brasileiro se aposentar, a deputada Bia Kicis (PSL-DF), está “coletando assinaturas na Câmara dos Deputados para propor uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC). A parlamentar tenta atingir a marca de 171 assinaturas. Com isso, o projeto poderia ir ao Plenário da Câmara e do Senado e, caso vencesse, derrubaria a regra atual, em que ministros do Supremo se aposentam aos 75 anos, e a idade cairia para 70 anos”, conforme informou matéria do Brasil de Fato.
A proposta visaria aposentar ministros como Rosa Weber e Ricardo Lewandowski, que já passaram dos 70, e abrir caminho para que Bolsonaro possa indicar até quatro ministros até o fim do mandato.
Nas redes sociais, a deputada afirma que quer um STF em harmonia com as demandas da população brasileira que elegeu Bolsonaro presidente. Contrária a tornar crime as agressões e mortes contra homossexuais, pauta que está sendo votada pelo Supremo, Bia Kicis se diz “defensora ferrenha da revogação da PEC da Bengala”.
Edição: Pedro Ribeiro Nogueira