Quatro bombeiros que trabalham nas buscas de corpos das vítimas da tragédia de Brumadinho, onde em 25 de janeiro uma barragem de minério da Vale se rompeu e vitimou 169 pessoas, apresentaram concentração de metais em seus exames de sangue.
A contaminação pelos rejeitos da mineração, presentes na avalanche de lama que soterrou as regiões do Córrego do Feijão e de Parque da Cachoeira, é uma das principais preocupações da população local. Por estarem em contato direto com a lama contaminada, os responsáveis pelo resgate e identificação dos corpos apresentam possibilidade ainda maior de intoxicação.
Três semanas após o rompimento da barragem, o governo estadual de Minas Gerais confirmou, em nota publicada na última terça-feira (19), que três bombeiros possuem alumínio no corpo. Um quarto profissional teve a presença de cobre identificada por meio de exames.
Monitoramento
Segundo o governo, desde a tragédia, os bombeiros envolvidos na atividade de busca e salvamento passam por um protocolo de monitoramento de saúde, com a dosagem de metais no sangue e urina.
“Cabe esclarecer que a alteração nesses parâmetros não significa intoxicação aguda por esses metais, e essas pessoas permanecem assintomáticas; e seguindo o protocolo de monitoramento de sua saúde. É esperado que após a interrupção da exposição, os níveis destes metais no organismo sejam normalizados”, diz a nota oficial.
Na opinião de Marina Abreu Corradi, médica da Família e Comunidade e professora do departamento de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), é cedo para afirmar que os bombeiros estão livres de contaminação.
“Dizer que eles não estão contaminados é complicado porque além dos exames de sangue, é preciso acompanhar a clínica [o que apresentam e sentem para além dos exames] das pessoas expostas. Alguns sintomas aparecem à médio e longo prazo, então é preciso acompanhar por muitos anos, por toda a vida, e às vezes até em próximas gerações”, explica Corradi, que prestou trabalho voluntário na Unidade Básica de Saúde (UBS) de Parque da Cachoeira, logo após a ruptura da barragem.
“Essas alterações já são preocupantes e precisam ser acompanhadas de formas próximas por meio de exames laboratoriais e da clínica dos bombeiros e pessoas expostas”, ressalta a especialista, que também atuou na tragédia de Mariana há mais de três anos, quando a barragem do Fundão, da Samarco, se rompeu.
De acordo com a médica, pessoas que vivem próximas às áreas afetadas também sofrem riscos altos de contaminação por metais, que pode ocorrer por meio da água, do solo, do ar e da alimentação, já que há muita agricultura familiar na região.
Integrante da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares (RNMMP), Corradi afirma que cada indivíduo responde à intoxicação de forma diferente. Fatores como estado nutricional, metabolismo, idade e quantidade de lama a qual a pessoa foi exposta pesam na resposta.
Riscos da contaminação
Segundo Marina, os principais sistemas que podem ser afetados pela contaminação são os sistemas nervoso, gastrointestinal, cardiovascular e o sistema renal, principalmente. No caso dos bombeiros, que apresentaram concentrações de alumínio e cobre, há ainda outras consequências.
“A maioria das alterações por contaminação de alumínio são neurológicas, queda de cabelo, irritabilidade, em alguns estudos aparece o envelhecimento precoce, a osteoporose. Outros estudos ainda não concluídos, dizem que há possibilidade do desenvolvimento de doenças como o Alzheimer”, elenca a especialista.
No caso da contaminação pelo cobre, o risco é do desenvolvimento de doenças hepáticas. "Doenças no fígado como hepatite e cirrose. Pode levar até a uma insuficiência hepática a longo prazo”, alerta.
Tragédia repetida
O rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, causou a morte de 19 pessoas e atingiu centenas de pessoas direta e indiretamente. O crime socioambiental da Vale em Brumadinho tem um número superior de vítimas fatais - até o momento,169 pessoas morreram e 141 estão desaparecidas.
Marina Corradi relata que atualmente, em Mariana, muitos moradores da região afetada apresentam quadros de doenças respiratórias crônicas, dermatológicas e até mesmo neurológicas.
“Em Mariana está comprovada a existência de pacientes que apresentam doenças relacionadas ao contato com a lama. Brumadinho segue a mesma linha, em uma dimensão um pouco maior porque são mais atingidos, a área atingida é mais extensa, e apresenta a mesma necessidade de acompanhamento e de possibilidade de contaminação, por parte de pessoas que trabalham ou vivem ali próximo”.
Para ela, que também socorreu vítimas do terremoto no Haiti, em 2010, também é necessário que os profissionais que seguem atuando no local estejam bem preparados para lidar com os atingidos. Reportagem do Saúde Popular, publicada em 2 de fevereiro, mostrou que moradores de Brumadinho já começaram a apresentar sintomas de intoxicação.
“É muito importante, inclusive, que eles [profissionais] estabeleçam esse nexo causal entre o que o paciente está sentindo, o que está apresentando, e o contato com a lama, com os rejeitos e a possível contaminação”, frisa a especialista.
:: Moradores de Brumadinho expostos à lama começam a apresentar sintomas de contaminação ::
A médica que teve contato direto com as vítimas das duas tragédias causadas pela Vale, lamenta a irresponsabilidade da mineradora. “Foi um momento muito triste. Estive em Mariana há três anos e não esperava jamais ter que viver novamente essa situação, tão próximas uma da outra, de forma tão similar. É inaceitável que três anos depois, os órgãos responsáveis não tenham assumido a postura de controle dessas barragens, para evitar esse tipo de desastre, inadmissível”.
Nesta quinta-feira (21), de acordo com informações do governo de Minas Gerais, a operação de resgate contou com um efetivo de 140 bombeiros trabalhando, sendo 111 do próprio estado e 29 de outras regiões.
Edição: Cecília Figueiredo