Em 5 de março de 2013, foi ao ar na Rádio Brasil Atual a reportagem "Coronel Telhada contrata parente e financiadores de campanha para assessorá-lo na Câmara de São Paulo", de Lúcia Rodrigues.
No dia anterior, a jornalista, até então na rádio, fez uma longa entrevista com o coronel Paulo Adriano Telhada, ex-comandante da Rota, na época vereador pelo PSDB, em São Paulo.
O foco da matéria era, principalmente, a contratação de dois doadores de campanha como assessores, cujos nomes apareciam na lista do TRT-SP. Um doara quase R$ 40 mil e o outro, cerca de R$ 19 mil.
Segundo o site da Câmara Municipal, o primeiro assessor havia recebido em janeiro de 2013, mais de R$ 21 mil de salário; o segundo, quase R$ 18 mil.
O coronel-vereador contratou, ainda, um primo para a assessoria de imprensa do gabinete.
Ao ser questionado sobre a decisão de empregar o primo, Telhada reagiu com uma ameaça:
Eu aconselho você a tomar cuidado com o que você vai publicar, porque a paulada vem depois do mesmo jeito, no mesmo ritmo.
Ao coronel são imputadas 36 mortes durante o período em que atuou no Tático Móvel e depois como policial da Rota.
Telhada, conhecido por processar jornalistas, agiu em várias frentes.
Entrou com ação no Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo e na Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), reivindicando a exclusão de Lúcia dos quadros da categoria, aqui e no país.
Por unanimidade, o Sindicato e a Comissão de Ética da Fenaj rejeitaram as acusações e a ação.
Na Justiça, ele processou-a no cível e no criminal.
Processou também os oito veículos que reproduziram a matéria da jornalista, entre os quais o Viomundo e o Brasil de Fato.
Mas, finalmente, saiu a decisão.
Telhada perdeu.
Por unanimidade a 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) julgou improcedente ação dele, pedindo indenização por danos morais.
Telhada reivindicava 100 salários mínimos de Lúcia Rodrigues.
Cobrava também 100 salários mínimos da empresa responsável pela Rádio Brasil Atual, onde a matéria saiu originalmente, assim como do Viomundo, do Brasil de Fato e dos outros cinco veículos.
Na sentença, os desembargadores afirmam que a matéria tem “caráter informativo”, “sem qualquer excesso’’:
Em contrapartida, os desembargadores afirmam que as palavras ameaçadoras de Telhada a Lúcia, “embora possam soar como um alerta, também têm um caráter intimidador”.
Nesta ação, Aton Fon Filho e Nei Strozake foram os advogados de Lúcia Rodrigues, Viomundo e Brasil de Fato.
“Telhada já havia perdido a ação criminal, agora perdeu também no cível”, explica Fon.
A estratégia de judicialização da política adotada por Telhada também saiu derrotada.
“Para impedir que a imprensa denunciasse as barbaridades cometidas por ele, passou a processar jornalistas, como forma de intimidá-los’’, salienta Fon. ‘’E perdeu!’’.
Nós entrevistamos o advogado Aton Fon Filho sobre o andamento do processo.
Viomundo — O que o Telhada pleiteava na inicial?
Aton Fon Filho — Em primeira instância, ele pediu que todos os veículos retirassem as matérias. Ou seja, queria que todos os veículos que publicaram a matéria fossem censurados.
Pediu também, a título de indenização por danos morais, 100 salários mínimos de cada um dos nove réus. E atribuiu à causa o valor de R$ 68 mil.
Viomundo – Ou seja, juntando a Lúcia e os outros oito processados, ele queria 900 salários mínimos?
Aton Fon Filho – É o que ele queria.
O processo continuou e a matéria foi julgada antecipadamente, sem necessidade de ouvir testemunhas – a chamada prova testemunhal –, porque tudo o que a Lúcia relatou na reportagem estava devidamente documentado.
Viomundo — O que juiz decidiu?
Aton Fon Filho – O juiz negou as duas demandas E o Telhada ainda foi condenado a pagar 20% do valor da causa. Assim, cada advogado teria direito a receber dele cerca de R$ 14 mil.
Viomundo – E, aí?
Aton Fon Filho – Ele entrou com embargos de declaração, pressionando contra o pagamento de 20% do valor da causa.
Esses embargos foram rejeitados e o ex-coronel apelou para o TJ-SP não somente em relação ao valor da condenação, mas insistindo que deveria ser indenizado porque ele teria sido ofendido, etc.
E o resultado você já sabe: por unanimidade os desembargadores negaram a Telhada o direito de indenização.
Viomundo – E quanto ao valor da condenação?
Aton Fon Filho – Quanto a isso os desembargadores entenderam que ele tinha razão e, no final, deram 10% da causa dividido entre os nove processados. Cerca de R$ 1 mil para cada advogado dos nove processados.
Neste tipo de causa, o valor mais importante é o da condenação propriamente dita e não o valor em si.
Viomundo — Do ponto de vista jurídico, o que representa esta vitória?
Aton Fon Filho — Do ponto de vista jurídico, o Telhada se meteu numa aventura, entrando pelo caminho de judicialização da política e da liberdade de imprensa.
Cada vez que alguém o criticava, ele entrava com processo. Ele até ganhou um, mas todos os outros ele foi perdendo.
No caso da Lúcia, ele entrou com uma ação na esfera civil e outra na criminal.
Perdeu a ação criminal e perdeu essa aqui agora.
Para ele, foi uma derrota de sua estratégia de judicialização.
Não significa que ele não vá continuar tentando, mas foi o modo que viu de impedir que a imprensa denunciasse as ações praticadas por ele.
Viomundo – Ou seja, queria mesmo era impedir que os jornalistas divulgassem as coisas negativas em relação a ele?
Aton Fon Filho – Sim, claro. Isso foi bem no início do processo que estamos vivendo hoje: os políticos de direita, fascistas, recorrerem a um judiciário majoritariamente de direita conservador para impedir a divulgação de coisas negativas, calar a voz da oposição, das críticas democráticas.
Mas, parodiando uma velha história conhecida do meio jurídico, a decisão do Tribunal mostrou que ainda há juízes em São Paulo.
Edição: Viomundo