No ápice da redemocratização do Brasil, na década de 1980, o Rio assistia ao renascimento do Carnaval de rua com blocos como "Simpatia É Quase Amor", "Barbas", "Suvaco do Cristo", além de tantos outros. Essas histórias são contadas no livro recém-lançado “Meu Bloco na Rua: a retomada do carnaval de rua do Rio de Janeiro”, da jornalista e produtora cultural Rita Fernandes.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Rita, que é também presidente da Sebastiana, a Associação Independente dos Blocos de Carnaval de Rua da Zona Sul, afirma que o carnaval de rua do Rio é descentralizado e que ocupa os diversos espaços da cidade, segundo as relações de origem que os blocos têm com esses territórios.
“O 'Carmelitas', por exemplo, precisa permanecer em Santa Teresa, porque conta a história da freira que foge e volta para o convento. O carnaval do Rio é feito na rua, para ocupar a rua. Isso já acontecia no tempo dos cordões, dos ranchos, é um carnaval que não pode ser confinado nem em lugares fechados e nem em circuitos pré-determinados”, lembra a produtora cultural.
Sinal de que a rebeldia e a contestação continuam dando o tom da folia, os sambas que os blocos levam às ruas daqui a menos de duas semanas contestam o poder público nas esferas federal, estadual e municipal, como faz o "Simpatia É Quase Amor": “Ninguém manda no meu carnaval: nem pastor, nem capitão, nem o juiz”, diz um trecho da canção, em clara alusão ao prefeito Marcelo Crivella, ao presidente Jair Bolsonaro e ao governador Wilson Witzel.
Lutas identitárias
As lutas identitárias também estão em pauta no carnaval. Há 12 anos nas ruas do Rio, o "Toco-Xona" atrai um grande público, é “formado pela força sapatona”, como afirmam as organizadoras, e já homenageou Rita Lee, Madonna, Cássia Eller, Carmem Miranda, Hebe Camargo e Amy Winehouse. A letra deste ano é “Empodera”.
“Ao longo de toda história / Sofremos opressão / Crimes de violência / Discriminação / Contra o patriarcado / Misógino e machista / Muitas se arriscaram / Na luta feminista”, diz a letra de Michele Krimer, co-fundadora e maestrina do Toco-Xona. O bloco faz ensaio na Gamboa no próximo sábado (23) e desfilará no Aterro do Flamengo no domingo (3) a partir das 10h.
Idealizadora e co-fundadora do "Toco-Xona", Bruna Capistrano lembra que a pegada LGBTQI+ do bloco ficou mais forte recentemente, após um discurso de Madonna sobre a necessidade de a mulher se posicionar frente a uma série de opressões no mundo. Com desfile marcado na semana do Dia Internacional da Mulher, o bloco terá um tom mais feminista.
“Defendemos a força da mulher sapatão, mas somos mulheres acima de tudo. Nosso carnaval desse ano é cantado para as mulheres e vai ter músicas feitas por elas. Nesse cenário de presidência homofóbica, governo homofóbico e prefeitura com traços claros em relação à homofobia, a gente se afirma como resistência e grita que a rua é nosso lugar”, conta Bruna.
Regras
Para Rita Fernandes, da Sebastiana, as obrigações que a Prefeitura do Rio vinha tentando atribuir aos blocos com mais de 5 mil pessoas, como a presença de seguranças, postos médicos e ambulâncias, não vão impedir que a festa aconteça. Em acordo feito entre o prefeito do Rio Marcelo Crivella, os blocos e o Ministério Público, a prefeitura decidiu recuar na decisão.
“Com regras ou sem regras, o carnaval acaba acontecendo porque ele naturalmente é livre, espontâneo, libertário e anárquico. O melhor é que a gente possa dialogar para planejar os serviços da cidade. Os blocos todos, de maneira geral, fazem um movimento de resistência muito forte em prol das características culturais e da identidade do que é o Rio de Janeiro. É isso que a gente precisa manter e é por isso que a gente tem lutado e tem resistido. Estamos na rua!”, afirma a produtora cultural.
Edição: Vivian Virissimo