Desde seu início, o governo de Donald Trump tem aumentado a pressão sobre a Venezuela e radicalizado sua postura. No processo, a oposição venezuelana se tornou cada vez mais associada e dependente de Washington e aliados. Um exemplo são os protestos de oposição realizados em 4 de fevereiro. As ações foram coordenadas para coincidir com o “ultimato” da União Europeia, alegando que reconheceria o “governo paralelo” de Juan Guaidó se o presidente Nicolás Maduro demorasse mais de uma semana para chamar eleições.
Os setores mais radicais da oposição, incluindo o partido Vontade Popular (VP) de Guaidó e María Corina Machado, que foi candidata à presidência, sempre teve relações próximas com os Estados Unidos. Guaidó, além do líder do VP Leopoldo López e do correligionário Carlos Vecchio, encarregado de negócios em Washington do governo autodeclarado, frequentaram universidades de prestígio dos EUA, o que não é incomum entre as elites econômicas e políticas latino-americanas.
As ligações entre oposição e atores internacionais são fortes. Recentemente, Vecchio chamou a campanha para derrubar Maduro de “esforço internacional”. Na mesma época, Guaidó, ao se referir aos protestos chamados pela oposição, afirmou: “Hoje, 2 de fevereiro, vamos nos encontrar mais uma vez nas ruas para mostrar nossa gratidão pelo apoio que o Parlamento Europeu tem nos dado”. Assim, assumiu explicitamente uma conexão entre a autoridade de países estrangeiros com sua própria ascensão como líder.
O resultado das ações de Washington deve ser desfavorável de diversas formas, seja a mudança de regime bem-sucedida ou não. Mais importante que isso, um governo comandado por Guaidó será entendido tanto por venezuelanos quanto por observadores internacionais como sendo “made in USA”. A associação da oposição com poderes estrangeiros permitiu que a liderança de Maduro controlasse membros descontentes do movimento chavista.
Além disso, os venezuelanos entenderão qualquer sinal de recuperação econômica sob o governo Guaidó como só sendo possível graças à ajuda – se não às esmolas – de Washington, planejadas para levar ao descrédito o governo socialista de Maduro, ainda que seja evidente que essa assistência será utilizada para promover os interesses econômicos e políticos dos EUA.
Aliás, o conselheiro de Segurança Nacional estadunidense, John Bolton, indicou que já está chamando empresas petrolíferas para investir na Venezuela após a queda de Maduro. Como afirmou à Fox News: “Estamos dialogando com grandes empresas americanas no momento… Fará uma grande diferença econômica para os Estados Unidos se companhias de petróleo americanas investissem e produzissem [com] as capacidades da Venezuela”.
Seja explícita ou implicitamente, Washington está ditando a estratégia ou, pelo menos, fornecendo os elementos para sua formulação. Um dos desafios enfrentados pela oposição é a necessidade de demonstrar para o baixo escalão venezuelano que a atual ofensiva contra Maduro será diferente das tentativas desastrosas de 2014 e 2017, quando líderes contrários ao governo garantiram a seus apoiadores que o presidente seria derrubado em questão de dias.
A liderança da oposição alega que, desta vez, será diferente por dois motivos. Primeiro, a guinada à direita na região se aprofundou, e a oposição tem mais capacidade do que nunca de se apoiar no apoio decisivo de Washington e de outros governos, mesmo que sejam mais ou menos democráticos – tome como exemplo as “qualidades” neofascistas de Jair Bolsonaro, no Brasil.
Em segundo lugar, a oposição está contando com o apoio de militares, principalmente do baixo escalão, que supostamente perderam a paciência com Maduro. Além de algumas deserções, oficiais de baixa patente tentaram dar um golpe militar apenas dois dias antes dos protestos massivos da oposição no dia 23 de janeiro, quando Guaidó se autodeclarou presidente.
Antes disso, a oposição venezuelana já expressava um grande desprezo pelos militares que relutavam em desafiar o governo chavista. A nova perspectiva da oposição já se desenhava nas três reuniões de Trump com militares rebeldes e na declaração ao lado do presidente colombiano, Iván Duque, feita em setembro do ano passado, em que o mandatário estadunidense afirmou que o governo Maduro “poderia ser derrubado rapidamente pelo exército se o exército decidir fazer isso”.
Os esforços dos EUA para incentivar que militares se envolvam ficou mais uma vez evidente em 6 de fevereiro, quandoJohn Bolton publicou no Twitter que as sanções dos EUA contra altos oficiais das Forças Armadas por supostas ações ilegais poderiam ser retiradas caso “se posicionem a favor da democracia e reconheçam o governo constitucional do presidente Juan Guaidó”. Recentemente, Guaidó fez uma oferta parecida, deixando implícita a continuidade e proximidade entre Washington e seu governo paralelo.
É importante notar também que Guaidó e outros líderes do Vontade Popular têm mais proximidade com Washington que o resto da oposição. O periódico The Wall Street Journal noticiou que Guaidó consultou Mike Pence na noite anterior a sua autoproclamação como presidente, no dia 23 de janeiro. Segundo Henrique Capriles Radonski, que também já concorreu à presidência, a maioria dos partidos de oposição não sabia da intenção de Guaidó e, na verdade, não apoia a ideia.
Para piorar ainda mais, a oposição liderada pelo Vontade Popular está trabalhando abertamente em conluio com Washington. Há alguns dias, Guaidó anunciou que tentaria transportar a ajuda humanitária que os Estados Unidos depositaram na fronteira colombiana e brasileira para dentro da Venezuela. Ele conclamou os militares do país a desobedecerem as ordens do governo Maduro e facilitarem a passagem dos caminhões, enquanto Maduro ordenava que fossem bloqueados.
Ao interpretar o papel de benfeitor político, Washington claramente manipula a percepção sobre a situação para gerar descrédito em Maduro e arrebanhar mais apoio internacional para Guaidó.
Em uma aparente censura a Washington e Guaidó, a porta-voz da Organização das Nações Unidas, Stéphane Dujarric, insistiu, na semana passada, que a ajuda humanitária fosse “despolitizada”.
Líderes da oposição e o governo Trump também estão trabalhando juntos para isolar a Venezuela economicamente do mundo. Julio Borges, um dos líderes da oposição, tem encampado a campanha para convencer instituições financeiras internacionais a evitar transações venezuelanas e instou a Grã-Bretanha a recusar a repatriação das reservas de ouro venezuelano em Londres. O presidente Maduro respondeu pedindo que a procuradoria-geral processasse Borges por traição.
Na mesma linha, o secretário do Tesouro dos EUA, Steven Mnuchin, e o secretário de Comércio, Wilbur Ross, tentam, neste momento, convencer interesses do mercado internacional a negarem ao governo venezuelano o acesso aos recursos nacionais em seu poder.
O intervencionismo escancarado e manifesto do governo Trump pode, na realidade, sair pela culatra e ajudar Maduro a contra-atacar sua popularidade em queda – chegando a 23% em outubro, segundo o instituto de pesquisa de opinião Datanálisis. O mandatário recentemente criticou pelo Twitter a proximidade entre Washington e a oposição. “Vocês não têm vergonha da forma como todo dia Mike Pence, John Bolton e Mike Pompeo falam pelo Twitter o que vocês têm que fazer?”, questionou.
O anti-imperialismo, obviamente, é fundamental para o chavismo, movimento nascido do ressentimento contra o intervencionismo dos EUA e a mão de ferro que por décadas controlou muitos dos recursos do país e ditou as políticas econômicas da Venezuela. As manobras do governo Trump e de seus aliados só fizeram reforçar essa narrativa e se mostram contraprodutivas, na melhor das hipóteses, para resolver a crise.
Suas ações também arriscam piorar ainda mais o sentimento anti-EUA em todo o continente. Não seria a primeira vez: em 1958, o então vice-presidente Richard Nixon foi atacado por uma multidão incontrolável em Caracas e, uma década mais tarde, a viagem de reconhecimento de Nelson Rockefeller feita pelo já mandatário estadunidense Nixon teve de enfrentar protestos intensos. Os dois incidentes foram respostas ao apoio interesseiro de Washington a regimes que chegaram ao poder por meios não democráticos, em alguns casos com envolvimento direto dos EUA.
Nessa estratégia para a Venezuela, Washington está recorrendo não apenas à política adotada durante a Guerra Fria, como também à Doutrina Monroe e a visão da América Latina como “quintal” dos Estados Unidos – alegação abominada em toda a região.
De fato, ao ser perguntado sobre o que levou Trump a retirar as tropas da Síria e do Afeganistão e, ao mesmo tempo, intervir na Venezuela, o vice-presidente Mike Pence afirmou à Fox News que Trump “sempre teve uma visão diferente” sobre o hemisfério. “Há muito tempo, ele entendeu que os Estados Unidos têm uma responsabilidade especial de apoiar e nutrir a democracia e a liberdade neste hemisfério, e essa é uma tradição já bem estabelecida”.
Recentemente, o presidente Trump nomeou o neoconservador Elliott Abrams como enviado especial à Venezuela. Abrams personificou, de muitas formas, a aplicação da Doutrina Monroe com o descaso escancarado com violações de direitos humanos e o princípio de não intervenção na Guatemala, na Nicarágua e em El Salvador nos anos 1980 e seu suposto envolvimento no golpe de 2002 contra Hugo Chávez.
A decisão de Trump com relação à Citgo, empresa da estatal venezuelana PDVSA sediada nos EUA, estabelece um precedente perigoso. Na semana passada, ele declarou que a competência sobre a Citgo seria entregue ao governo paralelo, apelando a outros países para seguirem pelo mesmo caminho. Mas ao condenar ações antidemocráticas e eleições fraudulentas na Venezuela, essas sanções ignoram o Estado de direito. O governo Maduro nunca teve a oportunidade de se defender e o devido processo legal não foi respeitado.
É sempre um exercício duvidoso tentar adivinhar as intenções de Trump. As ações do presidente estadunidense na Venezuela podem ser pensadas para desviar a atenção das diversas investigações de que ele próprio é alvo por quebra de decoro, ou podem ser uma forma de chamar a atenção para outra coisa que não o absoluto fiasco das intervenções dos EUA no Oriente Médio, na Líbia até no Afeganistão, no Iraque e na Síria.
Trump pode também entender sua política para a Venezuela como uma solução rápida à ideia de “devolver a grandeza aos EUA”, sintetizada no seu slogan de campanha “Make America Great Again”. Nesse sentido, Trum evidentemente vê a queda do governo Maduro como a prova máxima de que o socialismo não funciona. Foi o que indicou no seu discurso sobre o estado da União, quando utilizou o tema da Venezuela como trampolim para declarar: “Nascemos livres, continuaremos livres. Os Estados Unidos jamais serão um país socialista”.
Ainda assim, sejam quais forem os desdobramentos de curto prazo com o apoio estadunidense a Guaidó, o desfecho será negativo. Os motivos são inúmeros: primeiro, por sustentar a posição dos elementos mais reacionários da oposição liderada pelo Vontade Popular, contribuindo para a fragmentação do movimento antichavista.
Em segundo lugar, atrela o rótulo “made in USA” àqueles em posição de governar caso Maduro caia. O estigma, sem dúvida, acabaria com as chances de manter o apoio da maioria por muito tempo e, dessa forma, abalaria a autoridade e a capacidade de governar deles.
Em terceiro lugar, o apelo às forças armadas para salvar a Venezuela tem implicações aterrorizantes para um continente com tamanho histórico de ditaduras militares. E, por fim, o confisco de recursos venezuelanos e entrega para um aliado político viola normas sagradas de direito de propriedade e, no processo, corrói a confiança no sistema da propriedade privada.
Essas quatro considerações são indicações dos diversos impactos adversos que a abordagem temerária de Trump ao governo Maduro terá para os Estados Unidos, a Venezuela e o resto da região.
*Steve Ellner é professor aposentado da Universidade do Leste da Venezuela, colaborador antigo do NACLA: Report on the Americas e atual editor associado do periódico Latin American Perspectives. Publicou mais de dez livros sobre a América Latina, incluindo The Pink Tide Experiences: Breakthroughs and Shortcomings in Twenty-First Century Latin America (Rowman & Littlefield, 2019).
Edição: NACLA: Report on the Americas | Tradução: Aline Scátola