Os Estados Unidos estão aproveitando os efeitos da atual baixa do mercado mundial de petróleo para atacar o governo de Nicolás Maduro na Venezuela. Enquanto isso, o Canadá desempenha um papel silencioso e essencial na ofensiva ao país sul-americano, a partir das mineradoras do país. Essa é a avaliação feita pelo historiador, analista político e jornalista Vijay Prashad, em entrevista ao portal estadunidense The Real News, site parceiro do Brasil de Fato.
Na entrevista, Prashad explica que, apesar de existir, de fato, um interesse histórico dos EUA de controlar o petróleo da Venezuela, só isso não basta para explicar a atual ofensiva internacional contra o governo bolivariano, pois esse recurso poderia ser substituído pelo proveniente de outro país. “A produção diária de 1 milhão de barris de petróleo que a Venezuela vinha oferecendo ao mercado global poderia facilmente ser substituída pelos 1,8 milhão de barris diários de capacidade excedente da Arábia Saudita”, afirma.
Assim, o interesse dos EUA e seus aliados neste país sul-americano é o de “tirar vantagem política de uma situação econômica difícil na Venezuela para forçar uma mudança de governo”, já que há um “momento propício”. Isso porque, segundo o pesquisador, a Venezuela depende economicamente das exportações de petróleo e está sofrendo o baque pela queda dos preços do barril, com o excesso de produção e a baixa demanda da China, por exemplo.
Confira outros destaques da entrevista ao jornalista Greg Wilpert:
Experimento bolivariano
No campo político-ideológico, Prashad traça um panorama histórico sobre as tentativas que existiram de encontrar alternativas ao “capitalismo sufocante que vivenciamos nessas quase três décadas”, após o colapso da União Soviética, e que se opuseram à hegemonia liderada pelos EUA. Com a eleição de Hugo Chávez, em 1999, o “experimento bolivariano” não se restringiu às fronteiras da Venezuela, mas se configurou como um “experimento regional que se expandiu a partir da crítica às áreas de livre comércio das Américas”, explica o pesquisador.
A criação da Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (Alba) acontece nesse contexto. “Os venezuelanos lideraram a tentativa de uma espécie de integração regional e ofereceram uma alternativa às estruturas de políticas neoliberais, experimentando novas formas de comércio regional”, aponta Prashad. “Obviamente, isso representou uma ameaça profunda às oligarquias da América do Sul e da América Latina, ameaçando fortemente a ordem política dominada pelos Estados Unidos”.
Após o golpe de Estado frustrado contra Chávez em 2002, o historiador identifica uma tentativa política de abalar o projeto bolivariano na região e derrubar o governo da Venezuela. “Nesse contexto, é necessário entender a ascensão de governos de direita, seja no Brasil ou na Argentina, ou o fortalecimento de governos de direita na Colômbia, que impedem o avanço de um acordo de paz [no país]”, avalia. “Essas tendências políticas querem, há muito tempo, derrotar a dinâmica bolivariana em todo o hemisfério e, com certeza, na Venezuela”.
Grupo de Lima e Canadá
Diante dessa disputa político-ideológica no contexto geopolítico americano, Prashad reforça a importância do Grupo de Lima, mas, principalmente, do Canadá como líder do bloco de 14 países que foi criado especificamente para interferir nas questões venezuelanas.
“O Canadá desempenha um papel muito importante, mas silencioso, em toda a América do Sul”, alerta. “As mineradoras canadenses têm presença em todos esses países. Inclusive, as regras da mineração da Colômbia foram elaborada por uma iniciativa de desenvolvimento internacional canadense. Então, não é que o Canadá é só o [presidente] Justin Trudeau sorridente e uma pauta progressista alternativa a dos EUA. Ele tem uma pauta mineradora perversa que está promovendo na América do Sul”, indica. “É por esse motivo que o Canadá se coloca como líder, ao lado de Peru, Brasil e esses outros países à direita, no Grupo de Lima”.
Além do petróleo, a Venezuela também é um dos países mais ricos do mundo em bens minerais como ouro, diamante e nióbio.
Colonialismo, socialismo e revoluções
Problematizando as alegações de que a Venezuela já sofria com graves mazelas sociais antes da intervenção dos Estados Unidos – o que supostamente justificaria o "fracasso do socialismo" –, Prashad recupera aspectos históricos que deixaram marcas profundas não só no país sul-americano, mas também em todos os lugares explorados pela lógica colonialista. Esses processos, relembra, são muito anteriores à ascensão de um governo popular de esquerda e não são fáceis de serem solucionados.
Citando as revoluções do século 20 na Rússia, no México, na China, no Vietnã e em Cuba, o pesquisador avalia que todos esses levantes aconteceram em regiões afetadas pelos impactos do colonialismo, que impôs a pobreza aos países explorados. “Não houve situação revolucionária de fato nem experimento pós-capitalista em partes do mundo que colheram os frutos do colonialismo. Não houve revolução na Alemanha, na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos. É muito difícil dizer ‘sou contra o socialismo porque o socialismo fracassou no Vietnã’. Francamente, a agricultura do Vietnã foi bombardeada durante a guerra com armas químicas e depois fica a expectativa de que eles produzam o socialismo com facilidade”, critica.
“São lugares que consideramos no campo da necessidade. Eles estão lutando para construir um futuro pós-capitalista. E acho que falta generosidade às pessoas que atacam esses experimentos e, de certa forma, usam esses experimentos como forma de dizer que não há alternativa possível”, critica Prashad.
Crise na Venezuela
A crise política e econômica na Venezuela que já vinha ocorrendo nos últimos anos se intensificou desde o início de 2019. A posse de Maduro para um novo mandato, no último mês de janeiro, foi questionada pela oposição nacional e internacional, culminando na autodeclaração de Juan Guaidó como “presidente interino” no dia 23 de janeiro. A tentativa de golpe foi imediatamente legitimada pelos Estados Unidos e seus aliados, enquanto potências como União Europeia, Rússia e China pediram diálogo para encontrar uma saída do “estágio perigoso” a que chegou o país.
O Brasil de Fato está na Venezuela acompanhando os fatos recentes da política e do cotidiano do país. Leia mais no especial O que está acontecendo na Venezuela.
*Com informações de The Real News
Edição: Aline Scátola