"Até o ano de 2002, 75% do orçamento da saúde mental era com gasto hospitalar [psiquiátrico]", conta psiquiatra
Antes da reforma psiquiátrica no Brasil, os hospitais psiquiátricos ou manicômios consumiam quase todo o orçamento da saúde mental. De acordo com o psiquiatra e professor Rossano Cabral Lima, em 2002 ainda 75% do orçamento da saúde mental era direcionado com o gasto hospitalar. "De lá pra cá o que foi feito foi uma inversão de prioridades, no qual a maior parte do orçamento passou gradualmente a ser investido em serviços substitutivos", diz o especialista.
No Repórter SUS dessa semana, programa produzido em parceria com a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz), Cabral Lima, que é vice-diretor do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/UERJ), critica as mudanças que estão sendo propostas pelo governo Federal, conforme Nota Técnica da Política Nacional de Saúde Mental e Diretrizes da Política Nacional sobre Drogas, divulgada semana passada pelo Ministério da Saúde.
“A nota técnica induz o leitor, principalmente aquele que não é familiarizado com o campo da saúde mental, de que os últimos 20 anos foram uma sucessão de erros, equívocos", ressalta o médico.
Outro ponto da nota técnica, que ele alerta, é sobre a alteração no investimento de serviços substitutivos. "A ideia de serviço substitutivo não surgiu do nada. Ao investir em serviços substitutivos ela [Política Nacional de Saúde Mental] estava apontando para uma mudança de modelo. Surgem os Caps, centros de atenção psicossocial, os serviços de residência terapêutica [SRT] pra moradia, principalmente para pacientes egressos de longa internação, o Programa De Volta Pra Casa que dava uma bolsa [auxílio] para essas pessoas, pontos de cultura, cooperativas de trabalho, ou seja, é exatamente por isso que se fala em um serviço substitutivo, porque quando a gente diz isso, a gente está querendo dizer que não quer o retorno daquele panorama anterior", detalha.
Para ele também preocupa o redirecionamento da política de atenção às pessoas com problemas de uso abusivo de álcool e outras drogas. "Ao redirecionar o tratamento a instituições fechadas, comunidades terapêuticas, deixam de lado toda a ênfase na política de redução de danos e enfatizam basicamente a abstinência. A gente sabe que o problema de pessoas com álcool e outras drogas, crack, é um campo complexo, muitas vezes você precisa mesclar intervenções diferentes", defende.
Em sua avaliação, a nota significa um retrocesso para a luta antimanicomial, que aponta o modelo de atenção centrado na internação em hospitais psiquiátricos.
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Edição: Cecília Figueiredo