Indicado pelo governador Wilson Witzel (PSC) como o novo presidente da Companhia Estadual de Águas do Rio de Janeiro (Cedae), Hélio Cabral Moreira carrega algumas graves denúncias em seu currículo. O administrador é um dos 21 denunciados em ação judicial que investiga o crime ambiental e o homicídio de 19 pessoas decorrentes do rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), que aconteceu em novembro de 2015. Moreira era um dos conselheiros administrativos da Samarco, empresa responsável pela barragem, entre 2013 e 2014.
Ao todo são 26 denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF), entre pessoas físicas e jurídicas, envolvidas nas decisões que causaram o rompimento da barragem de Fundão. O processo corre na Justiça Federal de Ponte Nova (MG), desde novembro de 2016. Na ocasião, foram despejados aproximadamente 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro diretamente na comunidade de Bento Rodrigues, pertencente ao município de Mariana (MG), que mataram 19 pessoas e contaminaram três rios - Gualaxo do Norte, Carmo e Doce - antes de chegarem ao mar.
As mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton responderão por sete crimes contra o meio ambiente, que incluem poluição qualificada, contra a flora e fauna, e falsa declaração de estabilidade. Já a VOGBr Recursos Hídricos e Gotecnia Ltda e seu engenheiro Samuel Santana Paes Loures, responsáveis pela elaboração pelos laudos de segurança da barragem, responderão pelo crime de elaboração de laudo ambiental falso, por terem emitido declaração enganosa sobre a estabilidade da barragem.
Outras 21 pessoas envolvidas na ação penal, além de responderem por alguns dos crimes ambientais das empresas, também são acusados por homicídio doloso qualificado por motivo torpe, por meio insidioso ou cruel, ou seja, que tornou impossível a defesa das vítimas, por lesões corporais e por crimes de desabamento ou desmoronamento. Hélio Cabral Moreira é um deles.
Histórico
O recém nomeado presidente da Cedae já havia sido diretor financeiro da companhia entre 2008 e 2012 e retornou ao cargo em 2015, mesmo ano do rompimento da barragem de Fundão. Além disso, Moreira trabalhou no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) entre os anos de 1975 e 2003. Segundo informações de funcionários da Cedae, o presidente do PSC, Pastor Everaldo Pereira, foi o responsável pela indicação de Hélio Cabral, ao governador Wilson Witzel.
“A gente vê com muita preocupação essa nomeação. Ele tem envolvimento com o crime de Mariana. Também é um empresário do mercado financeiro, não tem conhecimentos técnicos sobre funcionamento de uma empresa de água. Sua indicação foi política. A questão maior é: se retomado esse poder do Pastor Everaldo sobre a empresa, a gente vai remontar ao período no qual o Garotinho era governador do Rio de Janeiro. Época na qual a empresa foi usada, que o Fundo de Pensão teve um rombo causado por investimentos indevidos, da atuação de Eduardo Cunha, Pastor Everaldo e companhia. Nós não sabemos qual é o destino da empresa”, comenta Ary Girota, sindicalista e trabalhador da estatal.
Já para Gilberto Palmares (PT), ex-deputado estadual do Rio de Janeiro, a nomeação de Hélio Cabral representa a inserção direta da lógica do mercado na administração da Cedae - a maior empresa pública do estado do Rio, uma das poucas estatais que sobreviveram à onda de privatizações da década de 1990.
“A cabeça dele não funciona na lógica de fortalecer a Cedae enquanto empresa pública. O mercado, de modo geral, se lixa para a questão ambiental e para a pauta dos trabalhadores. Então, você põe para presidir a Cedae, que trabalha com água e saneamento, uma figura com esse histórico, que tem só a cabeça do lucro, isso se choca diretamente com a preocupação ambiental e também com os interesses da população”, afirma.
Cedae
A Cedae está na mira da privatização há quase dois anos. A companhia foi estabelecida como uma das condições de entrada do Rio de Janeiro ao Regime de Recuperação Fiscal proposto pela União em 2017. Com isso, o governo do Rio de Janeiro conseguiu o adiantamento de um empréstimo de R$ 2,9 bilhões repassados pelo governo federal.
Após inúmeros protestos de trabalhadores e da população fluminense, em setembro de 2018, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou uma emenda para proibir a venda da companhia, que foi vetada pelo então governador Luiz Fernando Pezão (MDB). Alguns meses depois, em dezembro do ano passado, os parlamentares derrubaram o veto de Pezão, impedindo novamente sua venda. Em seguida, o governo recorreu de novo à Justiça, que emitiu uma liminar proibindo a decisão dos deputados e autorizando mais uma vez a privatização da companhia.
No entanto, quando Witzel assumiu o governo do estado, em janeiro deste ano, afirmou que vai propor uma alteração na lei que institui o Regime de Recuperação Fiscal dos Estados, assim pretende reverter a obrigação do estado de se desfazer da Cedae.
“Witzel é contraditório em suas declarações e ações. Primeiro que quando votamos para derrubar o veto, os deputados mais ligados a ele não queriam, eles queriam manter a privatização da Cedae. Agora ele fala que quer manter a Cedae pública mas indica para a presidência um cara do mercado, que não tem história nenhuma com a empresa. Isso não aponta na lógica de proteger e fortalecer a Cedae, pelo contrário”, conclui Palmares.
Defesa
A defesa de Hélio Cabral Moreira alega que um dos 19 homicídios não teria materialidade em razão da ausência do corpo. Ela se refere ao corpo desaparecido de Edmirson José Pessoa, funcionário da Samarco de 48 anos.
A argumentação da defesa cita o caso dos dois irmãos Joaquim Naves e Sebastião Naves, presos na década de 1930 sob a acusação de ter assassinado o primo Benedito Pereira Caetano, que havia desaparecido. Entretanto, o suposto morto reapareceu em 1952 e confessou que havia fugido devido a dívidas.
Em relação a essa argumentação, o parecer do MPF é enfático: “Comparar Benedito [o primo fugido do Caso Nave] com Edmirson [o funcionário da mineradora que trabalhava na barragem no momento do acidente] seria agir com a mesma indiferença que tiveram a Samarco e seus representantes em relação às vidas à jusante do maciço. É evidente que, em seu íntimo, nem a defesa de Hélio Cabral acreditaria na possibilidade de Edmirson, trabalhador engolido e dilacerado pela onda de rejeitos, reaparecer, tal qual Benedito, o vivo tido como morto no Caso dos Irmãos Naves”.
O MPF afirma ter se baseado em laudo pericial da Polícia Civil de Minas Gerais, no qual aponta que um dos corpos foi encontrado a 70 quilômetros do local do rompimento e que o caso se enquadra nos preceitos internacionais de “desastres de massa”. Por isso, utiliza o artigo 167 do Código de Processo Penal, que estabelece que na ausência do corpo pode ser considerado o depoimento de uma testemunha para confirmar a morte.
Ainda de acordo com a denúncia do MPF, Moreira aprofundou a política de contenção de gastos, com a aprovação de inúmeras recomendações de redução de custos em detrimento dos “ganhos de produção”. “Reduzir custos é estratégia legítima de toda empresa e de seus gestores, mas à custa da segurança e dos sabidos riscos de que poderia levar a gravíssimos consequências, E uma atitude reprovável e criminosa”, aponta a denúncia.
Até hoje, foram elencadas 512 testemunhas pelas defesas de todos os acusados na ação penal e grande parte com residência no exterior, o que pode atrasar o desfecho do processo. Por isso, o MPF pediu que os acusados provem a necessidade de se ouvir todas essas testemunhas.
Procurada pelo Brasil de Fato, a assessoria de imprensa da Cedae declarou que Hélio Cabral não tem nenhuma condenação e passou por todos os requisitos, previstos na legislação, para ter seu nome aprovado pelo Comitê de Elegibilidade da Cedae. Já o governo do estado do Rio de Janeiro não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Edição: Vivian Virissimo