O ex-juiz e atual ministro de Justiça, Sérgio Moro, apresentou nesta segunda-feira (4), em Brasília, o chamado Pacote Anticrime. Caso aprovado, o anteprojeto legislativo formulado por ele pode aumentar as taxas de letalidade das polícias brasileiras. Essa é a avaliação de estudiosos do tema ouvidos pelo Brasil de Fato.
Em 2017, as polícias brasileiras foram responsáveis por 5.144 mortes, uma média de 14 por dia, segundo os dados mais recentes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O número corresponde a um aumento de 20% com relação a 2016. No mesmo período, foram 367 policiais mortos, 5% a menos do que no ano anterior.
O projeto também abre a possibilidade da introdução do plea bargain no Brasil, um modelo que prevê acordos a portas fechadas entre o Ministério Público e o acusado, e restrições à progressão de regime, que prevê a possibilidade do detento mudar para um regime menos rígido após cumprir parte da pena tendo bom comportamento. O conjunto das medidas foi criticado por diversos juristas, que apontam inconstitucionalidades.
No “ponto IV” do anteprojeto, propõe-se a alteração do artigo 23 do Código Penal (que estipula as condições para que uma conduta que em geral é ilegal, seja considerada lícita), incluindo dois parágrafos. No segundo deles, estipula-se que “o juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. Assim, a proposta de Moro é que a legítima defesa excessiva nestes casos passe a ser legal.
Jacqueline Sinhoretto, integrante da diretoria do Ibccrim e professora da Ufscar, afirma que o anteprojeto – que caracteriza como “populista” – não apresenta nenhuma medida concreta para a resolução de questões importantes relativas à segurança pública e, na verdade, vai no sentido contrário de muitas delas.
“Se a legítima defesa for aplicada para a ação policial, isso vai exatamente na contramão da profissionalização das polícias. A polícia tem que ser bem treinada para administrar suas emoções nessas horas e não agir como cidadão comum. Isso é muito grave”, critica.
O texto proposto por Moro não elimina a necessidade de investigação em ações policiais que resultem em morte. No entanto, conhecendo a efetividade de tais investigações, usualmente conduzidas pelas próprias corporações, Sinhoretto defende que a busca pela eficiência de tais procedimentos deveria ser uma prioridade das ações governamentais e legislativas.
A proposta de Moro ainda altera o artigo 25 do Código Penal, para considerar legítima defesa o ataque cometido por "agente policial ou de segurança pública" praticado “em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado” ou quando “previne agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém”.
Para Sinhoretto, a mudança terá como efeito um incremento nas taxas de letalidade. Taxas essas que, segundo pesquisas, nunca voltam aos patamares anteriores quando acontecem reorientações na política criminal. A opinião é compartilhada por Pedro Brandão, doutor em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) e integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).
“Boa parte [do anteprojeto] relativiza o direito de defesa, viola direitos fundamentais consagrados constitucionalmente. É um pacote de falsas soluções. Tem um efeito prático: de alguma forma é uma licença para matar para os agentes de segurança. Tem o efeito simbólico: deixar os agentes mais confortáveis para atuar à margem da Lei”, diz.
Brandão lembra que, conjugado com o decreto que amplia as possibilidades de posse de armas no país, essa medida específica do anteprojeto significará um aumento expressivo de casos de morte violenta, especialmente entre jovens negros.
Edição: Mauro Ramos